o que eu precisava agora era de um copo de whiskey mas daquele puro sem sinais de stop e luzes vermelhas a interromperem a condução deste ritual de fim de noite. precisava de um copo vazio mas transparente de modo, a que, de qualquer ponto da sala, consiga ver com exactidão o que está por detrás do vidro. sim, não precisa de ser de cristal. vidro do mais rasca, mas transparente. (pausa)
é assim como o povo se sente. precisado, simples mas condicionador. cada um de nós é um peão neste grande jogo que é a vida. (pausa) nada de novo. rigorosamente nada de novo. se for possível, traz-me o jornal quandoas notícias forem outras. ah! e de preferência sem gralhas. e põe-no debaixo da porta para não ter de me cruzar contigo.
amanhã vai-me apetecer esbofetear alguém para de seguida o abraçar. apetece-me fazê-lo todos os dias. mas nunca o faço.quase nunca o faço. nunca o faço. faço. agora. agora que estou a descrevê-lo, a imaginá-lo. é só assim, aqui e agora, desta maneira muito particular em que condenso e exponencio o quase para algo quase concretizável. persegue-me, como a minha decadente estrada por estar corrupta e cheia de receios nas falhas do chão.
às vezes fico parada a olhar para as pessoas na cidade. saio de casa, esqueço as listas de afazeres e permito-me assistir de bancada a esta indiferença que me prega rasteiras de vez em quando. e às vezes também tiro notas, tiro o meu bloco e aponto... muito pouco. fico só a observar os passos cronometrados que as pessoas dão. acho que se estivessem cegas não se enganariam no número de minutos que têm de percorrer. chego mesmo a crer que encaram as outras pessoas como uma espécie de obstáculos que têm de evitar. é isso. nós somos obstáculos uns para os outros. e muitas vezes também somos pontapeados em vez de evitados. não sei o que hei-de achar. se se ser pontapeado será melhor que ser evitado. o primeiro implica contacto e sentimento. o segundo é virgem de sentido...
o que me remete para o whiskey que é puro, virgem. ou, pelo menos, deve sê-lo assim.
(pausa)
não, eu não bebo.
mas a sensação que tenho é a de que bebemos todos... muito pouco uns dos outros.
* Escrito para o evento "Não me toques!" (29 e 30 de Janeiro, 2009), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Não me toques! - uma sociedade de tangências - link
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Nota: A ausência de textos deve-se a variados factores, mas redimo-me assim com este que é talvez o mais cultural de todos os que já publiquei aqui.
Maria Rocha , 2009
18 de fevereiro de 2009
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