18 de novembro de 2008

noite sem mortalhas.

ultimamente tenho andado em constante estado flash-back. não se trata de déjà vu, nem de saudade, nem tão pouco de alzheimer - espero eu. mas há recordações que me saltam à consciência com tanta intensidade que mais parece que levei três mocadas de tal ordem na tola que não as consigo ignorar.

como hoje, devia ser umas oito horas da noite - isto é, sete para ti - eu estava a fazer o jantar, e enquanto fatiava o alho, o tomate e o limão, enquanto temperava os bocados de frango com o tinto e punha o estrugido do arroz a aquecer, lembrei-me da noite em que me perguntaste o porquê de me virar sempre de costas para ti para tirar o preservativo.

um gajo depois de acabar de se vir deseja tudo - e por "tudo" entenda-se, basicamente, paz, sossego e amor no mundo ego-centrado em que vivemos - excepto iniciar uma discussão antropológica sobre os nossos traumas sexuais... mas como nem sempre se pode ter o que se deseja, ou, talvez, simplesmente, por gostar de ti ao ponto de não conseguir negar-te uma resposta, lembro-me de o ter justificado como sendo a "minha condição masculina".

a teoria da c.m. resume-se da seguinte fora:
cada género está condicionado por vários factores, chamemo-lhes XX - nas mulheres - e XY - nos homens - para dar a isto uma pinta mais científica.
nos factores XX, incluí-se o comprimido que tens que tomar todas as noites, para evitar que telminhos comecem a saltitar por aí a torto e a direito, a semana mensal em que o teu humor fica mais sensível e a tua sensibilidade mais bem humorada, e pouco mais que valha a pena estar agora referir.
já o factor XY é singular: limita-se ao momento em que tiro o raio do preservativo. é o gesto mais deprimente e menos dignificante de que as minhas mãos são capazes - é a minha condição masculina.

por que é que me viro de costas? - perguntavas tu, há tanto tempo que já perdi a noção se devo dizer há meses ou anos - bem, possivelmente, pelo mesmo motivo que me pedes para sair de casa, ou, que tentas trancar-me no quarto, quando te dá vontade de ir à casa-de-banho. não há muito que eu não partilhasse contigo, apesar de haver demasiado que não posso partilhar - como o frango desta noite, temperado com tomate, azeitonas, alho, vinho tinto, azeite, sal, pimenta e um molho que se quiseres saber qual é vais ter que me pedir para fazer para ti - mas... depois de me vir, aí já não se trata de partilhar ou não, de ter ou não vergonha, de querer ou não satisfazer a tua curiosidade que é mais que natural, não. é científico. biológico, se preferires. freudiano, talvez. XY - nada que algum dia te possa verdadeiramente explicar pois a compreensão implicaria uma mudança de 50% dos teus cromossomas, mudança essa que nos iria irremediavelmente impedir de partilhar uma cama despidos e, consequentemente, de algum dia me fazeres essa pergunta.

enfim.
são seis da manhã aqui - cinco para ti - o meu companheiro de quarto está a fazer meia-noite ( sim, o tempo não é relativo só de país para país, consegue sê-lo também dentro de um espaço fechado ) e eu estou há meia-hora dedicado a este flash-back-escrito do flash-back que tive há dez horas atrás.

não é que não haja mais nada para fazer, que ainda há. mas foi a forma que encontrei para me distrair do facto de termos esgotado o stock - que há uns tempos tinha sido capaz de jurar que iria durar para sempre - de mortalhas que havia no quarto.

são seis da manhã aqui, e estou prestes a deslizar da cadeira para um sono profundo. a noite passou sem fumo, sem ansiedade, sem mais nada para lá destas palavras que enrolei aqui para que as fumes numa noite em que também te encontres sem mortalhas.

4 comentários:

André disse...

gostava muito de conhecer a responsável pela ontologia implícita neste post...

telmo disse...

já devias saber que não existem realidades ontológicas. mas gostei da intenção, foi bonita.

la folie disse...

cómico... vim aqui parar mesmo por isso. acabaram-se as mortalhas. gostei das palavras que enrolaste.

hilal disse...

ok estava sem mortalhas e acabo por descobrir o teu blog. que escrita tão cativante!