ultimamente tenho andado em constante estado flash-back. não se trata de déjà vu, nem de saudade, nem tão pouco de alzheimer - espero eu. mas há recordações que me saltam à consciência com tanta intensidade que mais parece que levei três mocadas de tal ordem na tola que não as consigo ignorar.
como hoje, devia ser umas oito horas da noite - isto é, sete para ti - eu estava a fazer o jantar, e enquanto fatiava o alho, o tomate e o limão, enquanto temperava os bocados de frango com o tinto e punha o estrugido do arroz a aquecer, lembrei-me da noite em que me perguntaste o porquê de me virar sempre de costas para ti para tirar o preservativo.
um gajo depois de acabar de se vir deseja tudo - e por "tudo" entenda-se, basicamente, paz, sossego e amor no mundo ego-centrado em que vivemos - excepto iniciar uma discussão antropológica sobre os nossos traumas sexuais... mas como nem sempre se pode ter o que se deseja, ou, talvez, simplesmente, por gostar de ti ao ponto de não conseguir negar-te uma resposta, lembro-me de o ter justificado como sendo a "minha condição masculina".
a teoria da c.m. resume-se da seguinte fora:
cada género está condicionado por vários factores, chamemo-lhes XX - nas mulheres - e XY - nos homens - para dar a isto uma pinta mais científica.
nos factores XX, incluí-se o comprimido que tens que tomar todas as noites, para evitar que telminhos comecem a saltitar por aí a torto e a direito, a semana mensal em que o teu humor fica mais sensível e a tua sensibilidade mais bem humorada, e pouco mais que valha a pena estar agora referir.
já o factor XY é singular: limita-se ao momento em que tiro o raio do preservativo. é o gesto mais deprimente e menos dignificante de que as minhas mãos são capazes - é a minha condição masculina.
por que é que me viro de costas? - perguntavas tu, há tanto tempo que já perdi a noção se devo dizer há meses ou anos - bem, possivelmente, pelo mesmo motivo que me pedes para sair de casa, ou, que tentas trancar-me no quarto, quando te dá vontade de ir à casa-de-banho. não há muito que eu não partilhasse contigo, apesar de haver demasiado que não posso partilhar - como o frango desta noite, temperado com tomate, azeitonas, alho, vinho tinto, azeite, sal, pimenta e um molho que se quiseres saber qual é vais ter que me pedir para fazer para ti - mas... depois de me vir, aí já não se trata de partilhar ou não, de ter ou não vergonha, de querer ou não satisfazer a tua curiosidade que é mais que natural, não. é científico. biológico, se preferires. freudiano, talvez. XY - nada que algum dia te possa verdadeiramente explicar pois a compreensão implicaria uma mudança de 50% dos teus cromossomas, mudança essa que nos iria irremediavelmente impedir de partilhar uma cama despidos e, consequentemente, de algum dia me fazeres essa pergunta.
enfim.
são seis da manhã aqui - cinco para ti - o meu companheiro de quarto está a fazer meia-noite ( sim, o tempo não é relativo só de país para país, consegue sê-lo também dentro de um espaço fechado ) e eu estou há meia-hora dedicado a este flash-back-escrito do flash-back que tive há dez horas atrás.
não é que não haja mais nada para fazer, que ainda há. mas foi a forma que encontrei para me distrair do facto de termos esgotado o stock - que há uns tempos tinha sido capaz de jurar que iria durar para sempre - de mortalhas que havia no quarto.
são seis da manhã aqui, e estou prestes a deslizar da cadeira para um sono profundo. a noite passou sem fumo, sem ansiedade, sem mais nada para lá destas palavras que enrolei aqui para que as fumes numa noite em que também te encontres sem mortalhas.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
gostava muito de conhecer a responsável pela ontologia implícita neste post...
já devias saber que não existem realidades ontológicas. mas gostei da intenção, foi bonita.
cómico... vim aqui parar mesmo por isso. acabaram-se as mortalhas. gostei das palavras que enrolaste.
ok estava sem mortalhas e acabo por descobrir o teu blog. que escrita tão cativante!
Enviar um comentário