Entrara como se vento fosse e
passou por mim sem que desse por ele. Era assim o velho coronel, acostumara-se
a ser furtivo nos seus tempos de guerra e não gostava que ninguém desse conta
de quando entrava e saía. O que fazia no seu quarto, até hoje o não sei, apenas
que por lá permanecia durante horas a fio e nem um pio se ouvia. Assim que o
sino da igreja dava as seis horas voltava a sair da mesma forma como entrara,
veloz e sorrateiro. Um certo dia tentei segui-lo à distância para perceber o
que aquele velho tanto tentava esconder. Esperei fora da casa pelo sino que
dava as seis horas. À hora marcada, lá saiu o coronel, com um passo tão
vagaroso que me parecia surreal que pudesse passar por mim todos os dias sem
que desse por isso. Encetei a marcha, tentei ser um com a natureza e cada passo
que dava coincidia com o assobiar do vento. Consegui segui-lo sem problemas
durante os primeiros duzentos metros, até à enorme praça da cidade. Chegado à
praça começou a agir de forma peculiar, quase como se soubesse que estava a ser
seguido, ainda que até hoje tenho a certeza que nunca deu pela minha presença;
olhava para todos os lados excepto para o meu. Parou em tudo o que era loja
para ficar a admirar o seu recheio, ainda que o recheio de algumas dessas lojas
fosse tão inadequado como uma de lingerie, na qual tomou largos minutos
contemplando, quase como se estivesse a ler um jornal desportivo.
Assim que estávamos prestes a
deixar a praça, e eu a descobrir o caminho que tomava, desapareceu. Sim, como o
fumo da chávena de café desaparece assim que atinge certa altura. Não digo que
fosse magia ou que o coronel fosse qualquer espécie de bruxo, mas esta verdade
que conto é a mais pura delas. Percorri toda a praça, todos os caixotes,
revirei-os. Entrei em todas as lojas, em todas as lojas perguntei se o tinham
visto. Em todas elas a mesma estranha resposta: “Não sei de quem fala senhor,
por cá não passa nenhum simples militar quanto mais um velho coronel”. Pensei
para comigo que seria apenas coincidência, que não o viam porque simplesmente
não era hábito seu olharem para a rua procurando mirones, daqueles que olham
interminavelmente para no fim nada comprarem ou sequer entrarem na loja.
Continuei a minha busca, desta feita percorri todos os caminhos que ligavam à
praça, pesquisando qualquer possível pista dele, mas nada. Três horas volvidas,
voltei para casa, o coronel estava novamente no seu quarto. Ao ouvir o ranger
da porta de entrada, saiu do seu quarto e perguntou-me onde havia estado, fazia
horas que me procurava e não me encontrava. Queria o seu leite com chá; hábito
adquirido com um seu velho amigo
6 de outubro de 2012
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