seco, reduzido a passa (diz-se dos frutos);
assado;
decorrido, findo;
realizado anteriormente;
atordoado, perplexo;
s. m.,
o que se fez ou disse anteriormente;
o tempo que passou.
(no pl. ) os antepassados.
I
o passado nunca passa, nunca finda. não sei quem é que raio é que se lembra destas definições que nunca parecem fazer sentido quando a vida nos confronta com elas.
o woody allen tinha razão. tudo o que os nossos pais nos disseram que era bom para nós, não era. pré-primária, escola primária, preparatória, secundária, faculdade? só não faço as contas para não me assustar com a quantidade de anos perdidos a aprender coisas tais como que a vida é como um rio onde nunca se mergulha duas vezes na mesma água. antes fosse. heraclito, vai à merda. devias ter era deixado escrito que a vida é como um chuveiro que de tanto se tomar banho acaba por entupir e um dia logo que se abra a torneira começa a cheirar mal.
o passado nunca passa, nunca finda. não sei quem é que raio é que se lembra destas definições que nunca parecem fazer sentido quando a vida nos confronta com elas.
o woody allen tinha razão. tudo o que os nossos pais nos disseram que era bom para nós, não era. pré-primária, escola primária, preparatória, secundária, faculdade? só não faço as contas para não me assustar com a quantidade de anos perdidos a aprender coisas tais como que a vida é como um rio onde nunca se mergulha duas vezes na mesma água. antes fosse. heraclito, vai à merda. devias ter era deixado escrito que a vida é como um chuveiro que de tanto se tomar banho acaba por entupir e um dia logo que se abra a torneira começa a cheirar mal.
II
gina. por que não me sais da cabeça? já lá vão sete anos, que é como quem diz oitenta e quatro meses, o que equivale a quê? dois mil, quinhentos e cinquenta e cinco dias? nada mais nada menos que sessenta e uma mil, trezentas e vinte horas em que não te esqueci.
e a minha memória é selectiva, opta sempre pelo pior que passamos quando acha que é o momento de te trazer à tona. como o dia em que me abraçaste para que só eu ouvisse a tristeza com que me disseste que já não tinha muito mais tempo para passar contigo. ou, pior, como a tarde em que te fomos visitar à casa dos meus tios, em que te perguntaram se reconhecias a pessoa que estava ao meu lado e disseste que não. e todos se riram. estava tanta gente naquele quarto, não era suposto ter sido assim. disseram-te que era o manel, e tu concordaste. e todos se riram, outra vez. não gina, não era o manel, nem o joão, nem o antónio, não era o homem do gás, nem o das mudanças, nem o reparador da televisão, nem todos aqueles que, um após um, te iam dizendo que era. caralho, era o meu irmão. não era suposto ter sido assim, sabes? aquela gente toda, aqueles risos não olharam bem para os teus olhos. tu falavas, e eles achavam-te graça. se tivessem visto o mesmo que eu, se tivessem bloqueado como eu bloqueei nos teus olhos que pareciam já ter morrido umas boas horas antes de eu ter entrado naquele quarto, tinham feito o mesmo que eu: absolutamente nada. quando te perguntaram se sabias quem eu era, eu quase morria ali contigo. juro-te, se tivesses dito que eu era o manel, que era o homem do gás, ou seja lá quem fosse que eles se lembrassem de te perguntar, eu tinha morrido ali mesmo contigo. mas não. tu preferiste matar-me de outra forma, limitaste-te a responder: claro que sei, é o telmo, o meu neto. e deste-me dois beijos e um abraço. caralho, gina. eu só tinha dezasseis anos. achas que estava preparado para me despedir para sempre de ti? eu vou precisar de ti até morrer, tal como os meus filhos um dia haveriam de precisar, e os filhos deles a seguir. não era suposto ter sido assim, acordar uma manhã com um telefonema « só para informar que ela morreu ». precisei de um ano só para recuperar a capacidade de falar. e agora, é passado. mas se é passado, por que é que sonho que estou contigo, que me trazes um saco de pão doce, como sempre fizeste, por que é que me sorris tanto? para acordar e voltar a ficar de luto, pela milésima vez, do sonho que acabei de ter? não é justo, gina. não é passado, nem é presente, nem é futuro. não te enquadras em nenhuma dessas categorias, vais estar sempre em todas, afinal, és a minha bisavó, a minha única avó.
e eu quero despedir-me de ti, e da belinha, e do chico, já não vos vejo há tantos anos, mas no fundo sei que vocês vão-me acompanhar até ao dia em que nos juntemos todos definitivamente.
gina. por que não me sais da cabeça? já lá vão sete anos, que é como quem diz oitenta e quatro meses, o que equivale a quê? dois mil, quinhentos e cinquenta e cinco dias? nada mais nada menos que sessenta e uma mil, trezentas e vinte horas em que não te esqueci.
e a minha memória é selectiva, opta sempre pelo pior que passamos quando acha que é o momento de te trazer à tona. como o dia em que me abraçaste para que só eu ouvisse a tristeza com que me disseste que já não tinha muito mais tempo para passar contigo. ou, pior, como a tarde em que te fomos visitar à casa dos meus tios, em que te perguntaram se reconhecias a pessoa que estava ao meu lado e disseste que não. e todos se riram. estava tanta gente naquele quarto, não era suposto ter sido assim. disseram-te que era o manel, e tu concordaste. e todos se riram, outra vez. não gina, não era o manel, nem o joão, nem o antónio, não era o homem do gás, nem o das mudanças, nem o reparador da televisão, nem todos aqueles que, um após um, te iam dizendo que era. caralho, era o meu irmão. não era suposto ter sido assim, sabes? aquela gente toda, aqueles risos não olharam bem para os teus olhos. tu falavas, e eles achavam-te graça. se tivessem visto o mesmo que eu, se tivessem bloqueado como eu bloqueei nos teus olhos que pareciam já ter morrido umas boas horas antes de eu ter entrado naquele quarto, tinham feito o mesmo que eu: absolutamente nada. quando te perguntaram se sabias quem eu era, eu quase morria ali contigo. juro-te, se tivesses dito que eu era o manel, que era o homem do gás, ou seja lá quem fosse que eles se lembrassem de te perguntar, eu tinha morrido ali mesmo contigo. mas não. tu preferiste matar-me de outra forma, limitaste-te a responder: claro que sei, é o telmo, o meu neto. e deste-me dois beijos e um abraço. caralho, gina. eu só tinha dezasseis anos. achas que estava preparado para me despedir para sempre de ti? eu vou precisar de ti até morrer, tal como os meus filhos um dia haveriam de precisar, e os filhos deles a seguir. não era suposto ter sido assim, acordar uma manhã com um telefonema « só para informar que ela morreu ». precisei de um ano só para recuperar a capacidade de falar. e agora, é passado. mas se é passado, por que é que sonho que estou contigo, que me trazes um saco de pão doce, como sempre fizeste, por que é que me sorris tanto? para acordar e voltar a ficar de luto, pela milésima vez, do sonho que acabei de ter? não é justo, gina. não é passado, nem é presente, nem é futuro. não te enquadras em nenhuma dessas categorias, vais estar sempre em todas, afinal, és a minha bisavó, a minha única avó.
e eu quero despedir-me de ti, e da belinha, e do chico, já não vos vejo há tantos anos, mas no fundo sei que vocês vão-me acompanhar até ao dia em que nos juntemos todos definitivamente.
III
gostava que fosse possível limpar de uma vez por todas o raio do chuveiro, fazer as pazes com todos os demónios, poder voltar a ir fumar um com a maria ao porto-de-leixões e passar lá a noite sentados em conversas que nos levavam a todo o lado sem nunca termos tido de saltar para dentro de um dos barcos e zarpar. mas a vida é mesmo assim, como uma melodia do tom waits em que estamos constantemente goin' down slow.
gostava que fosse possível limpar de uma vez por todas o raio do chuveiro, fazer as pazes com todos os demónios, poder voltar a ir fumar um com a maria ao porto-de-leixões e passar lá a noite sentados em conversas que nos levavam a todo o lado sem nunca termos tido de saltar para dentro de um dos barcos e zarpar. mas a vida é mesmo assim, como uma melodia do tom waits em que estamos constantemente goin' down slow.
1 comentário:
Gostava de ser essa Maria, isso significava que podia fumar "uma". Lol.
:)
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