15 de dezembro de 2008

Por Assim Dizer



Venho aqui empenhar algumas palavras em nome da cultura, como sempre. É esse o conceito mestre comum a todos aqui reunidos. E há nisto algo de solene e religioso. Coisa que este intrépido ególatra não pretende violar ao usar este blogue sagrado para fins auto-promocionais. Ná, nada disso, amigos. Estou é a difundir um projecto musical, que - é óbvio para todos - a música é uma das mais naturais manifestações da e/ou de uma cultura, e nós, neste completíssimo arquivo, neste blogue cultural e quase bíblico, não queremos descurar tão imperial aspecto desse domínio. E isto parece-me muito menos egocêntrico do que a verdade - vou começar as gravações do meu primeiro álbum a solo e queria que vocês soubessem. Não pensem que vou falar bem do projecto só por ser meu. Não sou faccionista. Podem esquecer a potencial parcialidade e ausência de objectividade nos critérios, ou qualquer outro tipo de indecência ética. Sou um gajo justo. Assim, o que vos vou dizer agora é completamente imparcial e objectivo: este álbum irá descer à terra directamente do Olimpo, enviado por Apolo, produzido e masterizado por Marte, nas mãos de centenas de virgens voluptuosas, com asas de anjos judeus, e será a melhor obra musical alguma vez concebida por seres humanos.

E agora, num exclusivo do traumacultural.blogspot.com, totalmente inédito e em primeira mão, eis uma coisa que eu escrevi:

Por Assim Dizer é, em primeiro lugar, um ensaio onírico. Só depois um objecto de exasperação.

Daí ser essencialmente puerilidade, hipostasiação e desconforto. Das cordas inexoráveis de uma guitarra, fazer vibrar palavras, versos brancos, poemas. É um dedilhar memórias de pessoas por vezes coloridas e de lugares que nos são estranhamente familiares; um escrever histórias simples de amantes e pretendentes nas teclas torturadas do piano. Cada nota é um sentimento diferente, único e intraduzível. Cada sofrido compasso, uma pequena metamorfose, um fragmento de vida, um luxo de passo para a morte. Mágoa em semínimas. Amor bemol.

Todas as melodias são cinzeladas à mão por este melónamo artesão. São texturas de sonhos, sereias subtis que se me escorrem das mãos, dos dedos para quaisquer ouvidos abertos. Um baixar as defesas. Mecanismos de silêncio. Os teus movimentos sem saída seguros por raízes. Para além de beleza, não têm nada a dizer. São paixões. Uma cópula carnal. Sinistra sinfonia de rosas.

O experimental e a descontrução são inevitáveis. Uma inspiração imprevisível. São lograr cansaço. Regem-se pela ordem arbitrária de vácuos impalpáveis. Uma sépala de gestos mitigados. Um ruído é a infusão compósita de almíscar e tiquetaques negros. Uma vertigem espiral encerrada numa nuvem de éter. Uma sonolenta tarde de verão e arco-íris de areia em postais amarelecidos. Dedos mortos no fumo.

Cabe aos amigos um ténue perímetro de reconhecimento. Um lugar no tempo perfeito. Línguas de ópio. Sáficos, jâmbicos ou heróicos. Delicadeza de vidro na voz, grito de vapor poético. Fogo-de-artifício nos pulsos, nas mãos, nos lábios, nos dedos. Jovens valquírias e trovadores na noite.

O desejo é congregar todas as coisas. Amar um mundo. Nasce uma flor. Velhos inventários elegantes, com a velha glória das grandes nomenclaturas. Parece-me que já estive aqui antes. Fito a vaga remniscência. Este é o laborioso ofício da mais minuciosa lavra, executado na mais traiçoeira brenha. Mergulhamos entre as músicas, deixamo-las respirar, perdemo-nos na justeza de um murmúrio. Damos-lhe um nome. Damos-lhe um lugar. Damos-lhe um carácter. Damos-lhe vida, por assim dizer.

4 comentários:

Maria disse...

O que me ficou foi que és "um gajo justo". :P

telmo disse...

já a mim, ficou-me a cena "a melhor obra musical alguma vez concebida por seres humanos".

tenho fé em ti, primeiro o mercado nacional... depois espanha. :)

telmo disse...

estive a reler:

"aos amigos um ténue perímetro de reconhecimento. Um lugar no tempo perfeito".

é isso, rock on andrézinho nunes. :)

telmo disse...

estou a aparvalhar demais esta noite - que raio de noite - agora fora de tangas, estás em grande.