8 de agosto de 2019

Há lá forma mais bonita de viver?

Ela cresce e eu mirro.
Ela engrandece e eu diminuo. Aproximo-me do chão.
Ela regenera e eu embranqueço.
Ela prospera e eu envelheço.
Há lá forma mais bonita de morrer?

Ela supera e eu vibro.
Ela sorri e eu rio. Aproximo-me do céu.
Ela abraça e eu derreto.
Ela sonha e eu prometo.
Há lá forma mais bonita de viver?

13 de novembro de 2012

raiz


é como sempre um convite isto.

com honestidade mas com toda a agressividade se se justificar e permitam-me que o modo como se mede o quer quer que seja que está definível deste lado da janela.

adianto que apesar de não haver portas nesta casa sem tecto, ninguém se atreve a entrar.

mas voltemos ao que vos prende aqui. dizia eu que as cordas que nos apertam não estão ao alcance de todos desenlaçar, cortar, queimar ou até mesmo reforçar, se for o caso.

face a isto e ao que há-de surgir, apraz-me informar que eu já sei nadar.

14 de outubro de 2012

Um dia de atraso por razões nada platónicas...

Quero dar os parabéns a este blog e a estas pessoas maravilhosas que o fizeram acontecer.  É verdade que tudo começou por uma feliz coincidência de duas pessoas ocuparem o mesmo espaço à mesma hora e com as mesmas felizes ideias germinando nas suas cabeças. Felicito essas duas cabeças e as que lhes seguiram e espero que possamos continuar este singelo trabalho por muitos e muitos anos!!! Parabéns

12 de outubro de 2012

7 years ago

It was 7 years ago that a very specific meeting between 2 friends happened. It was 7 years ago that started the pleasure of  creating a dream that never became real but that, in fact,  it was the most pleasant dream I ever lived.  The celebration of something that we didnt forget and the celebration of something that was created by us. Something that had a meaning. It was a search that gave us purpose, that gave us a mission. We are celebrating something that became independent, that has its own inteligence and its own survival instinct.

Yes, it was exactly 7 years ago that all of that started. It raised itself, it multiplied itself, it developed to something that was beautiful, and most of all, it became something that never stopped to exist. Probably now you would tell me that it is something that doesnt have any sense to have its own existence anymore. Still, it is something that I want to keep it alive in our memories. Its not just something that I just simply want.......... I need it. Its one small reason to look back and to realize that in fact I was able to create something. We all created it. That meeting that happened between 2 friends, 7 years ago was just the very begining of something that you all raised it to the sky.
You have to admit, that the idea was a great idea, and that the paths that we all crossed together had very special and peculiar moments. It gave us a reason to be connected forever. You know that even if we see each others just in 40 years, you will remember what was the issue that I am writting here and that started 7 years ago.


Someone asked me today, who are the people behind it at the moment and who is in charge of it. I expressed a smile (a very nostalgic smile while I was lighting my cigarette) and I had to explain that there is nobody behind it or in charge of it anymore. It became free...it became independent......it became a feeling.

I started this celebration yesterday evening, because of a personal reason that driven my way to that meeting. Tomorrow (13-10-2012) remember this special feeling that we created, remember it because it never stops, and it will never stop.......The Movimento M will always be in our memories and in our hearts.


Happy birthday Movimento M.

6 de outubro de 2012


Há um barco de lágrimas à deriva, esperando uma farol que lhe mostre o caminho para terra. As ondas parecem nem tocá-lo e ele como que flutua numa espécie de limbo eterno. O farol escondeu-se que não quer encontrar este barco. Fazer isso seria sinónimo de o trazer perto de si. Se o barco chegar não perderá a luz o seu brilho, pensa o farol debatendo-se com a obrigação de cumprir um dever. Os peixes olham o barco à maneira de quem escuta um sermão e também eles não ousam aproximar-se. Nunca antes tinham vistos estes estranhos seres que habitavam o barco. Estaria então o barco fadado a andar à deriva ad eternum? 

imbecilidades desconexas


Há, entre os planos, uma linha vazia
Desenha-se de forma inusitada
Quase não a percebia
Que bem fica assim atada

Os planos não se tocam
A linha não permite veleidades
De se olhar não deixam
Interrogam-se sobre as idades

O que aconteceria se se tocassem
Se pudessem dissipar a curiosidade
Não deixes que passem
Cairia o carmo e a trindade

Crescerá para sempre a linha
Ou triunfará a vontade deles?
Será que um dia definha,
Ou desistirão eles?

Um cravo na lapela, parece que espreita de uma janela. Faz lembrar a menina que o futuro não quer dela, o sol pintado de vermelho na tela e o céu azul aguarela. De trela ao pescoço vem o cão e o moço, de ofegante nota-se-lhe o esforço e o polícia ao balcão a comer o tremoço. Troça o polícia, ladra o cão e o cinzento das nuvens esconde o céu e o sol. A menina perdeu o futuro e da janela já ninguém espreita. Ficou o cravo, caído da lapela para o chão.

Um viajante...


Entrara como se vento fosse e passou por mim sem que desse por ele. Era assim o velho coronel, acostumara-se a ser furtivo nos seus tempos de guerra e não gostava que ninguém desse conta de quando entrava e saía. O que fazia no seu quarto, até hoje o não sei, apenas que por lá permanecia durante horas a fio e nem um pio se ouvia. Assim que o sino da igreja dava as seis horas voltava a sair da mesma forma como entrara, veloz e sorrateiro. Um certo dia tentei segui-lo à distância para perceber o que aquele velho tanto tentava esconder. Esperei fora da casa pelo sino que dava as seis horas. À hora marcada, lá saiu o coronel, com um passo tão vagaroso que me parecia surreal que pudesse passar por mim todos os dias sem que desse por isso. Encetei a marcha, tentei ser um com a natureza e cada passo que dava coincidia com o assobiar do vento. Consegui segui-lo sem problemas durante os primeiros duzentos metros, até à enorme praça da cidade. Chegado à praça começou a agir de forma peculiar, quase como se soubesse que estava a ser seguido, ainda que até hoje tenho a certeza que nunca deu pela minha presença; olhava para todos os lados excepto para o meu. Parou em tudo o que era loja para ficar a admirar o seu recheio, ainda que o recheio de algumas dessas lojas fosse tão inadequado como uma de lingerie, na qual tomou largos minutos contemplando, quase como se estivesse a ler um jornal desportivo.
                Assim que estávamos prestes a deixar a praça, e eu a descobrir o caminho que tomava, desapareceu. Sim, como o fumo da chávena de café desaparece assim que atinge certa altura. Não digo que fosse magia ou que o coronel fosse qualquer espécie de bruxo, mas esta verdade que conto é a mais pura delas. Percorri toda a praça, todos os caixotes, revirei-os. Entrei em todas as lojas, em todas as lojas perguntei se o tinham visto. Em todas elas a mesma estranha resposta: “Não sei de quem fala senhor, por cá não passa nenhum simples militar quanto mais um velho coronel”. Pensei para comigo que seria apenas coincidência, que não o viam porque simplesmente não era hábito seu olharem para a rua procurando mirones, daqueles que olham interminavelmente para no fim nada comprarem ou sequer entrarem na loja. Continuei a minha busca, desta feita percorri todos os caminhos que ligavam à praça, pesquisando qualquer possível pista dele, mas nada. Três horas volvidas, voltei para casa, o coronel estava novamente no seu quarto. Ao ouvir o ranger da porta de entrada, saiu do seu quarto e perguntou-me onde havia estado, fazia horas que me procurava e não me encontrava. Queria o seu leite com chá; hábito adquirido com um seu velho amigo 

29 de abril de 2012

um ponto final nunca permanece totalmente sereno

viver é tão complexo que acho que nos perdemos dentro de becos sem saída porque nos distraímos.
às vezes, sinto isso.

e depois o sentir... sentir tanto as pessoas, a dor do mundo e as coisas boas. até essas nos fazem parar a respiração.

está a vida toda a desenhar-se e eu tenho tanta vontade de voltar aos meus 5 anos e ser assim feliz como era e pensar que os adultos eram uns sábios que nos protegiam de tudo e que estariam sempre lá para nós.

depois, começas a crescer e com o processo as normais dores que mais ninguém pode ter.

temos de abrandar o ritmo e traçar prioridades. sermos justos com os outros, mas respeitarmo-nos primeiro que tudo.
mesmo que nos demos menos aos outros, acredito que estamos a dar mais.


faço sentido?

crescer. ainda estamos a crescer. temos uma bagagem respeitável. eu tirar-lhe-ia o chapéu e dar-lhe-ia primazia, abrir-lhe-ia a porta, se necessário. sempre com um sorriso.
mas custa, porra.

ouço o meu Pai com uma serenidade a contar-me coisas da vida dele pela primeira vez.
ainda o estou a conhecer.
esteve na Revolução no Largo do Carmo há 38 anos entre tantos outros feitos. e eu questiono-me o que fiz eu de tão importante até hoje ou o que posso fazer na minha vida, no meu trilho para ser só feliz e conseguir paz.

nunca me vou preocupar com dinheiro. preocupo-me com o caminho em que por vezes temos de cavar para conseguir apenas andar um passo em frente.

fico com o peito apertado de perceber que não passo tempo suficiente com as pessoas que me dizem mais mesmo que não esteja frequentemente com elas. tenho receio que desapareçam ou que a vida se encarregue disso.


de que é que precisamos?


só de que os dias nos sejam limpos.

mais nada.

15 de abril de 2012

hiatus,

tendo a esquecer-me de como me faz bem ouvir a vida de alguma pessoas,
de achar e compreender que estamos enfiados num tabuleiro de xadrez e que alguém lá de cima nos comanda.

estamos num hiatus massivo e ninguém nos salva. ninguém se dá conta que só precisamos que no meio das ondas estamos a querer deixarmo-nos ir. só.

depois, desistimos ou recomeçamos. não sei que merda é que acontece quando se mergulha fundo e que nos dopa de uma forma que parece que os nossos olhos não são nossos já. vemos a vida de todos os que se cruzam connosco como se as tivéssemos vivido. dói-nos tudo e amamos tudo da mesma forma que a dor que se desenha de dentro das veias até magoar tanto tem de sair.

temos de sair daqui e não vejo nada. esqueceram-se de acender a luz e nunca dissemos que sabíamos o caminho.

penso muitas vezes nos anos em que era criança e que era genuinamente feliz. pensava que os adultos tinham um estatuto inadulterável e que só passando por metas para lá de complicadas é que eu chegaria lá. depois comecei a viver, a ver os anos a atropelarem-se em mim. a acelerar em algumas situações, a fazer um retrocesso noutras mas sempre a conseguir algum equilíbrio no meio desta confusão toda.

o que é que estamos a fazer connosco? há momentos em que tenho a certeza de que estamos na estrada certa, uma vez que as outras deixaram de se vislumbrar e então segues o que conheces.

o resto é uma valente treta. é tudo mutável.

as estações. tudo se quer rebelar e eu só me preocupo de mais ninguém se sentar no chão encostados a uma parede e calarem-se.

o que é verdadeiramente perigoso nisto que fazemos é que não aprendemos a pedir ajuda e depois atropelamos todos à nossa frente.

que não haja (mais) feridos.

9 de abril de 2012

inventário,

era um mapa, se faz favor.

traga uma lanterna, uma corda e uma pá.

agradecemos o apoio, mas pode ir embora, daqui para a frente eu encarrego-me de tudo.

não pode ser de outra forma,

mas foi mesmo um prazer.


(as merdas para se fazer, fazem-se bem)

8 de abril de 2012

auto-qualquer-coisa no início,

lembro-me que me disseram que escrever - para os que sabem o poder que têm entre mãos - é perigoso. desde então, tenho circulado à volta desta vontade, desta necessidade.

"sem medos. mergulhemos fundo."

mas,

compreendamos que temos estado incompletos o caminho inteiro.
agora que não entrei a doer, comecemos.

uso minúsculas mesmo que o assunto seja de grande importância.
não sei nada sobre a vida e tenho um medo atroz de falhar que vou falhando massivamente enquanto tento qualquer coisa além de me empurrar.

Recuperar algo que disseste que se perdeu na zona do olhar

Ou a ilusão de que o tempo volta para trás, ou que permanece imóvel, ou que eventualmente avança nalguma direcção.

Três anos que nada mais fazem do que um piscar o olho à eternidade e as inúmeras vidas que neles se atravessaram – efémeras e inconstantes, sempre em queda livre sempre em sentidos díspares. Como montanhas de pés, uns a testar a atracção gravítica de qualquer um dos abismos da nossa humanidade, os outros a materializar impulsos de alcançar o próximo degrau da cadeia de produção inseparável da nossa natureza.

Todas as coisas que possuímos com o olhar. As vibrações incessantes do tudo que nos é externo. O gajo que se atirou para a frente do comboio, para a frente dos nossos olhos, para a frente do que está à frente e ali permaneceu enquanto indivíduo e dali saiu cadáver. A desconhecida que disse... de mim podes retirar qualquer resposta, qualquer reacção, qualquer possibilidade, qualquer resposta que não seja o meu nome, qualquer reacção que não se prolongue mais que este encontro, qualquer possibilidade excepto a de destruir o que do futuro não nos pertence. E as outras coisas mais modestas à primeira vista, que também marcam os seus contornos na retina dos nossos tempos. Plantas que em segundos se tornam selvas. Vestidos que deslizam dos ombros aos tornozelos sem necessidade de desabotoar um botão, de correr um fecho, de puxar um único fio. Recortes de revista encaixilhados e expostos em paredes de quarto – num momento nada mais que tentativas forçadas de procura de novas formas de expressão artística contemporâneas, noutro dão lugar a janelas tridimensionais para cidades impossíveis  de materializar devido aos excessos de côr, de luminosidade, de oxigénio e, como não poderia deixar de ser, de profunda e bela humanidade.

As coisas que vamos achando, perdendo e trocando na zona do olhar. As que os dedos anseiam por conhecer e tratar por tu. As que os lábios procuram repetir e aperfeiçoar e aprofundar e moldar e fazer crescer e fazer sorrir e preencher de significado e... e essas e todas as outras repetições labiais que nada mais procuram do que a edificação de utopias em carne e osso. Enfim, as coisas e as vidas que se limitam a passar pelos nossos olhos enquanto nos sentamos em frente ao pano branco onde a eternidade se entretem a projectar singularidades aleatórias.

A inocência e a consciência de tudo, essas sim, as duas verdadeiras amantes impossíveis que os olhos não desistem de tentar conquistar e conciliar mas que, tal como todas as amantes, vêm e partem e nada deixam na zona do olhar.

Nada se ganha, nada se recupera, tudo se limita a passar na zona do olhar. É assim que perdemos e mantemos e acumulamos aquilo que vamos podendo ver, com olhos que não se repetem, com imagens que não são possíveis descrever excepto na memória, com o sentimento que é assim que temos de aceitar a parte que nos compete nos anos que por cá passamos. E era assim que te devia ter respondido, há três anos, há demasiadas vidas e coisas antes de ter aprendido como me falar e de aceitar como te dizias.

30 de outubro de 2011

Who am I?

Who am I?

Am I the European dream? Am I one among others, the edgy hope of the future of this landform? Am I the significance of decades of an unsubordinated society?
I have a unpretentious answer to these periphrastic questions. I could try to give you fine-looking and intriguing answers to masquerade what I should be, but I am not. I could bloom my answers to try to convince you of whatever I would like you to see on me, but in fact I prefer to not induce you of anything at all, and just to show you what I am.
I wanted to tell you what I am not, but once more I would be using a sophistic speech to once more to take you to the vision that I want you to have about me. In fact it’s sad that people make questions expecting exactly this kind of answers.  Inclined answers to what they want to listen. Answers full of false and invalid premises.  This is what I can do. I f you give me the opportunity I can tell you exactly the Super Me that I want you to know.  Are you expecting that? I am going to light my cigarette now to give you some easy flashes of expecting an answer to that. It’s not going to happen. You know the answer to that and I really don’t give a fuck to what you expect. That’s the good part of writing something so nebulous about me. I know what I am saying and most of all I know exactly all the craps that you anticipate to read about me. Maybe now you already understood that you are wasting your time reading this words because I am just mad, and I want to make you even angrier with the fact that you really believed that you would read something that in fact would be a pleasant moment on trying to understand who I am.
Why I am furious? One more question. You don’t even know the answer to all the other interrogations, and you are already thinking in more questions.  Can you see how irreplaceable is the ability of making you to lose time?  Well, I am mad because of what I am. Because of all those promises that life gave me, all the dreams that people taught me to have, because of all the people that inspired me with their arguments about a certain possible dream, that in fact it’s nothing more than a fantasy. I am angry with all my expectations about life, with all my expectations about myself, about all the people that leave around me that try to convince me that life is something different than what it is in fact.

Am I irritable? No, I am just telling you who I am. Who am I?
I am just someone.

2 de fevereiro de 2011

.

Isto é estúpido. Não adianta estender os argumentos pois eles nunca nos farão chegar a outra conclusão.

Ouço-te falar. Dizes coisas, cada uma com o seu conteúdo, o seu significado, o seu nome próprio. Estabeleces relações de causalidade entre elas e crias uma ordem hierarquizada a que todas obedecem.

E, no fim, teimas em perguntar o que penso sobre esses teus assuntos.

Já devias saber que é escusado. O que para ti é infalivelmente lógico, para mim não tem ponta por onde se lhe pegue. O que para ti importa acima de todas as coisas, é sempre algo que normalmente me passaria despercebido.

Por isso é que te digo, realmente temos a nossa forma muito própria de nos entendermos – e eu gosto dela.

Agora não pretendas que te compreenda, que te conheça, que te saiba sequer ouvir.

Isto é estúpido. Não fui feito para te completar, sou de natureza individual.

30 de janeiro de 2011

O mundo antes da Joana Amaral Dias

A minha percepção é profundamente dominada - não: governada - por uma tipologia dicotómica. Isto é, para mim só há dois tipos de coisas no universo: as coisas que me dão tesão e as coisas que não me dão tesão. Vejamos: marmelada com gajas bonitas dá-me tesão; a sonoridade do português falado no Brasil não me dá tesão. Simples. Parece fácil. Ora, claro está, que isto - como tudo na vida, meus amigos, como tudo na vida! - nem sempre é assim tão linear.

Por exemplo: a bela e mui fermosa deputada Ana Drago dá-me um tesão danado: devo ser o único português que se excita a ver a ARtv. Mas acontece que é uma senhora de esquerda, e ser de esquerda pertence ao grupo das coisas que não me dão tesão. Por outro lado, ouvir o deputado Nuno Melo a falar já é coisa que me entesoa sobremaneira, porquanto é a melhor oposição personificada que, portugueses, temos disponível. O gajo é o Roosevelt do CDS, pá. Mas depois, lá está, é homem - coisa que não me dá lá grande tesão, arriscando o eufemismo.

Agora o que acontece é o seguinte: se estás a pensar que ficar de pau feito por ouvir o Nuno Melo a falar é efeminado, desengana-te. Em primeiro lugar, o Nuno Melo é do CDS - o que é d'homem. Depois, o pau faz-se meramente pelo conteúdo atraente das suas palavras. Não há aqui qualquer comportamento gay. E mesmo que houvesse algum fundamento maricas nesse tesão, as suas aplicações práticas nunca deixariam de ser estritamente heterossexuais. Na verdade, a homossexualidade pertence ao grupo de coisas que não me dão tesão. Será portanto erróneo achares isso, amigo, e também o indício de um raciocínio deficiente se em algum momento foi essa a tua opinião. O rei vai nu.

Pois agora nada melhor para consagrar a masculinidade de tudo que aqui foi dito do que este parágrafo tão viril que se segue, este desenlace de tão baixo nível mas com tão altos níveis de testosterona. Perdoem-me, mas é Primavera. E uma vez que provavelmente já começas a exigir uma explicação para o meu binómio existencial não ser assim tão bifurcadamente linear quanto isso, amigo, aqui vai: o problema é que - sendo a percepção governada por esta dicotomia tipológica - não se pode esperar demasiado das coisas. Não digas já "Ei que conclusão estúpida", amigo. Lembra-te primeiro que é atroz e desumano ter que aceitar que, quando uma coisa entesoa, há sempre uma outra que nos vai vilipendiar o tesão - como por exemplo homens, ou ser de esquerda.

E isto acontece porque, algum tempo depois de nos apercebermos da situação, não conseguimos deixar de pensar o quão perfeito seria se pudéssemos fundir o espírito jovem embora conservador do deputado Nuno Melo com a sublime linguagem corporal da deputada Ana Drago: eis Deus. Isto é só um exemplo, atenção, não estou a dizer que me masturbo a pensar nisso, até porque me masturbo a pensar nisso. A questão é a de tirarmos conclusões de tudo isto; reflectirmos sobre estas evidências com o nosso espírito crítico de domingo, para que os últimos aforismos se formem; e o axioma é, pois claro, que não há um tesão perfeito; nenhuma erecção dura para sempre. Consegues imaginar algo mais violento?

Pensa só nisto: é este o tipo de violência que, por diversas vezes e de diversas maneiras, funciona como alicerce do mais derradeiro amor, como por exemplo acontece em Romeu e Julieta, quando ela lhe come a cara e os genitais, e fica toda suja com o sangue dele, momentos antes de ser alvejada pela polícia judiciária numa estrada nacional. Mas isso já é outra história.

Ah, e a Joana Amaral Dias. Adoro-a.

3 de novembro de 2010

Lábios

São lábios, senhora, são lábios
São sábios nacos de carne sua
Fraquejam na hora do beijo
Sobejam-me agora que vejo
Que doces fastios são na verdade

Os meus sentidos frios, o seu coração sem idade,
Peregrinos sombrios da oração crua do corpo
Borboleteando andorinos no torpor salivado dos sonhos,
Nestes sonhos medonhos de vão, orgia e liberdade,

Pelo que quando somos só lábios
Aparecem logo aí umas mil mãos
Todas a levantarem-nos do chão

Nós no ar, nós mais do que a levitar
Nós com tesão numa curva do tempo
O coração ao relento, as pernas ao ar,

Sendo que quando somos só lábios
Desfocamos como se fotografias
Onde detemos pedaços de bons dias
Que é um bom eufemismo para utopias,

Disse-mo um enorme minuto vazio,
Grandíssimo, puto, que gentio de tempo,
Um adágio rômbico de línguas,
Um fio de apetite que se solta
E um gajo que o aguente.

São lábios, senhora, são lábios
São fáceis nacos de carne sua
Fraquejam na hora do beijo
Sobejam-me agora que vejo
Quão doces e frios são na verdade

Pelos meus queridos gentios de emoção, de afinidade
Que meu sombrio coração tem com lábios e com vaidade,
Borboleteando andorinos no torpor salivado dos sonhos,
Nestes sonhos medonhos de vão, orgia e liberdade,

Pelo que quando somos só lábios
Aparecem logo aí umas mil mãos
Todas a levantarem-nos do chão

Nós no ar, nós mais do que a levitar
Nós com tesão numa curva do tempo
O coração ao relento, as pernas ao ar,

Sendo que quando somos só lábios
Desfocamos como se fotografias
Onde detemos pedaços de bons dias
Que é um bom eufemismo para utopias,

Disse-mo um enorme minuto vazio,
Grandíssimo, puto, que gentio de tempo,
Um adágio rômbico de línguas,
Deusas de carne e réguas para sonhos, pá.
Um trapézio de lábios.

25 de janeiro de 2010

Interrupção


Parar não seria apropriado.
Desistir muito menos.
Interromper é indubitavelmente o termo mais apropriado para tal episódio. Falta de entusiasmo criador, também não foi. Muitos perguntam a razão desta interrupção, muitos questionam o motivo que nos levou a tal. Outros rejubilam-se com o facto de termos parado de arrombar a falta actividade intelectual vivente à nossa volta.
Tudo tem o seu quadra e a sua altura própria para acontecer na vida. As esperanças depositadas nesta revista cultural sempre foram bastante exigentes e chegou-se a um ponto, em que a nossa vida pessoal já não nos consentia inspiração suficiente para depositarmos intelectualismos nesta revista. Sendo então, que decidimos desdobrar os nossos canais e convidar mais bloggers para historiarem aqui.
Erro crasso.
Esqueceu se uma minudência e aqui temos de assumir que a culpa foi toda nossa. Nós somos um grupo, ou um movimento (como preferirem), de pessoas que temos como identificador, um laço muito particular que nos une. Sendo assim, com obviedade que nada nem ninguém, além de nós próprios, poderia contribuir para esta revista. Só nós é que conhecemos o anseio que nos levou a criar esta ideação. Só nós é que conhecemos o cerne que nos envolve. Podem fazer o julgamento que bem entenderem daquilo que estou a dizer, mas realmente, só nós é que somos capazes de levar este projecto adiante. É por isso que denomino este post de “Interrupção”, pois todos sabem que as interrupções são sempre aprazíveis. As interrupções atrasam e prolongam o prazer, dão tempo para dar asas à criatividade e despertam as saudades enormes que tinha de escrever algo nesta revista, apelando a todos os que incumbem esta nata especial de ditos-cujos, a fazerem o mesmo para que intuam aquilo que eu estou a tentar mostrar com este pequeno post.

interrupção (latim interruptio, -onis)
s. f.
1. Acto! ou efeito de interromper ou interromper-se.
2. Descontinuação, suspensão.

23 de maio de 2009

miopia = misantropia.

com o olhar no limite. há uma dor que não desaparece da cabeça, não se atenua, não permanece na sombra. o tempo, às vezes, congela. olhos inchados, fixos em aneis de fumo, fixos numa luz que realça no meio do que se vê, fixos numa palavra que deixa de fazer sentido a partir do momento em que se desvia o olhar dela, tal como o demais.

e o olhar desvia-se em todas as direcções. a procura incessante de um paradigma, de uma mão, de qualquer coisa. e vê a joana, novamente, como se tivesse acabado de sair do quarto, com doze anos, a dizer ao pai que só tinha ido dar uma volta com uns amigos, que estava bem, para, de seguida, desaparecer para sempre. e depois, como se houvesse alguma ligação entre acontecimentos sem ligação alguma, o olhar vê-se si próprio, com cinco anos, a fugir do jardim de infância, a esconder-se da mãe, sem compreender porque ela não foi trabalhar naquele dia só para procurar, entre lágrimas, o puto cuja única coisa que sabia sobre a vida era que não queria aturar os outros putos, ao menos, por um dia. e aparece o flávio, com quatorze anos, fechado num quarto, a ouvir a mayonaise, a ouvir tudo o que os meus ouvidos ouviam também, âmbos perplexos por estarmos sozinhos numa idade já tão avançada.

de repente, os olhos abrem-se do nada, estão em mil novecentos e oitenta e sete, e têm dois anos de idade. vêem novamente a mãe, desta vez, a segurar o carrinho-de-mão, a caminho da ama, à chuva, numa rua que ainda reconheceriam vinte e um anos depois, em leça da palmeira, se lá voltassem. não há uma única preocupação, o passeio é sereno, ela está lá, é permitido voltar a fechá-los, voltar a adormecer até acordar num qualquer outro lado.

vinte e um anos depois, o andré enfrasca-se de whiskey sozinho em casa semi-consciente do embaraço que sentiria se os olhos da mãe dele trespassassem a porta para olhar os dele. a alexandra desapareceu, dizem que arranjou um gajo e que decidiu ficar assim, longe de confusões. o pedro acabou o curso de enfermagem e percebeu, passados cinco anos em silêncio, que o silêncio não causa amnésia no que diz respeito a amizade. e o j.d. continua, noite após noite, fechado no escritório, convencido que, se os miudos lhe continuarem a alimentar o negócio por mais uns tempos, um dia, poderá mesmo vir a aspirar a dedicar-se de vez ao cinema, como sonhou bem antes de algum dia ter vendido o primeiro saco, ou, sequer, fumado o primeiro paiva.

e as imagens desenrolam-se assim, desprovidas de propósito, de côr, fio-condutor. através da janela o sol anuncia um novo dia, mas acrescenta que ainda não é tarde para adormecer. quem sabe em que ponto o movimento de translação vai deixar o mundo quando se voltar a acordar. se bem que movimentos uniformes nunca levem a nenhum lado minimamente original. só não é um desperdício total de tempo porque, entretanto, numa noite boa, os olhos fechados vêem mais uma vez a diana, a ser fotografada, com vinte e um anos, a sorrir depois da primeira tentativa de preparar uma refeição a dois, sobre a qual elogiou-se a decisão de despejar a lata inteira de cogumelos e lamentou-se a dose mal calculada de sal. numa má, procuram a maria, percorrem a cidade, nunca a chegam a encontrar.

e logo os olhos despertam apenas para voltarem a ser induzidos à cegueira, a humidades que os protejem de percepções mais nítidas do que realmente se passa fora deles. até ao momento em que um minuto volta a demorar, realmente, sessenta segundos a passar. em que o fumo se ergue do cigarro para se suspender no ar, em espirais brancas nas quais fixamos o olhar, até o segurarmos com as mãos, maravilhados por não nos limitarmos a sustê-lo nos pulmões. até que as mãos se abrem, o fumo de novo liberto liberta a atenção do olhar para outras recordações e outros fascínios da vida em câmara-lenta, demasiado lenta para que mais alguém os consiga acompanhar. 

23 de abril de 2009

"Borboletas Na Piça" - Studio Report

Em português, "reportagem de estúdio". Diz que é para divagar sobre alguns aspectos do processo de gravação e assim. Bem, foi muito difícil. Custou-me mesmo muito. Uísque e charros. Incomensuravelmente. Horas e horas, eu contra o metrónomo, aberto, à espera de deixar a música violar-me, de instrumento na mão, quando podia muito bem estar a escrever abautemis relativamente maravilhosos no meu espaço pessoal, ou até mesmo a responder aos comentários das meninas. Noites e noites, desesperado por vê-la materializar-se, obstinado em assistir ao seu sagrado nascimento rarefeito; vidrado na busca do lugar perfeito para um bombo, para uma tarola, para um choque, para um raide; enfeitiçado pelas cordas que me sorriem um si de sétima, um mi bemol, as cordas que me choram um ré menor; imóvel ante o contraste preto e branco dum piano bêbedo, ora tecla branca, ora tecla preta, através da dicotomia anciã dos seus meios tons sem idade, em vez de sair de casa e ir ouvir dijeis de eléctro e snifar coca, como fazem os jovens que realmente são felizes.

Sim, tens razão, não devia estar a escrever poesia menor em jeito de crónica socio-pretensiosa, mas sim uma reportagem de estúdio. Muito bem: o processo de gravação ainda está a avançar no processo de gravação que no fundo é a maneira como se processou o desenrolar dos acontecimentos de capturar os sons que aparecem na gravação durante a audição do álbum que é também um processo mas que no fundo é só e ainda uma gravação, enquanto o outro processo está, como é óbvio, intimamente relacionado com o processo de criação, já mais daquele domínio do pseudo-artisto-conceptual aprazível a intelectuais de esquerda, mas é também um aspecto que ainda está a avançar no processo de criação no sentido em que ainda me falta muito fazer uma música. Percebeste? Lá está. Mas é sempre assim tudo muito desorganizado, tudo muito disperso, como não podia deixar de ser numa banda que consiste num só elemento, ainda que assaz bonito. É que fazer tudo sozinho dá um trabalho do caralho, só para que conste e rime.

Há desde músicas já completamente prontas até músicas completamente por fazer. São vinte e sete. A única certeza que têm é que vão estar todas no álbum. Chama-se "Borboletas Na Piça" e vai ter muitos convidados. Digo quem são? Digo. Tem que ser. Não são bem convidados. São amigos que, duma maneira ou de outra, também fazem, por assim dizer, parte deste intrépido projecto. São eles que ouvem as músicas quando ainda me parecem ridículas e que me ajudam a melhorá-las, de uma maneira ou de outra, até elas atingirem a sua forma final, que é quando já não me parecem tão ridículas assim. Obrigado a eles por respirarem. Note-se ainda que estas pessoas não são necessariamente músicos, mesmo que também os haja. Bom, sem mais demoras, consagrar-lhes-ei agora um parágrafo.

São eles - por exemplo e entre os mais-que-confirmados - a Patrícia Matos (www.plastessina.com), a designer que afirma ser a melhor pessoa do mundo embora eu ache que é apenas a melhor pessoa do Alto da Maia, e que faz a arte plástica desta cena toda; o André Cardoso (Death Will Come, Genoflie, As Far As Possible; www.myspace.com/andregenoflie ou www.suorsocial.blogspot.com), que para além de ser o produtor do álbum, é também pequenino, fofo e vai participar com um tema que escreveu integralmente e em regime de exclusividade; a Custódia de Barros, que é considerada por muitos a melhor autora de todos os tempos (sendo a sua última obra de uma magnitude e monumentalidade incomparáveis, como que atingindo a perfeição e chegando mesmo a superá-la, até ao mais-que-perfeito), e que é também, na minha opinião, a minha mãe, e participa activa e vivamente no álbum, com as suas palavras de sapiência advertindo-me para as mais subtis arestas a limar (apesar da sua disponibilidade ser reduzida devido ao facto de passar demasiado tempo a ouvir os Leandro e Leonardo); o Guilherme Lapa (Well Made Mistake, Oblique Rain, My Eyes Inside; www.myspace.com/dramaonbass), que vai compor meia dúzia de três linhas de baixo, dizer-me que sou uma merda e que tenho que melhorar muito se quero mesmo que ele participe nesta bosta de projecto, e ainda co-escrever a música que me falta para acabar o esqueleto daquilo que será o alinhamento do álbum; o Ismael Silva (www.myspace.com/bloopreinsz), que apesar de gostar dos the Smiths, de ser um gajo ligado ao teatro e de aceitar a música electrónica como uma expressão legítima de arte, é, não obstante, bom mocinho e interpretará um número indetermindado de canções no álbum; o Hugo Gil (Quetzal's Feather, Metáfora; www.myspace.com/hugogil), que é o guitarrista mais sentimental de sempre de acordo com os cânones culturais do mundo ocidental, imprimirá o seu romantismo indelével em pelo menos um dos vinte e sete temas do álbum; o André Tavares (Solid, Death Will Come, Genoflie, Preguiçoso; www.myspace.com/andregen ou www.myspace.com/preguicoso) que nasceu no berço de ouro da música, e apesar de ter fugido cedo dessa sua herança musical para abraçar a carreira da comida, retornou ainda a tempo àquilo que lhe corre no sangue, e é a única pessoa que eu conheço capaz de cantar a música que vai cantar da maneira que eu quero que a cantem; o Telmo Ferreira (traumacultural.blogspot.com), escritor, no sentido em que escreve cenas, e ilustre estudante do relativamente prestigiosíssimo curso de Filosofia da Faculdade de Letras do Porto, vai contribuir nesta pura manifestação de arte popular ao dar métrica a algumas das suas palavras para que sejam letras de uma ou outra cançoneta; a Joana Rodrigues (the Sticks & Stones & the Broken Bones; www.myspace.com/perfectcycle), professora de música, exímia realizadora de massa à bolonhesa e vocalista de serviço, vai também interpretar uns temas; e o etc.

Isto, atenção, leitorzinho(a), é só uma coisa que eu escrevi por estar com algum tempo livre - não faças disto a tua bíblia. Aguarda que hei-de escrever uma coisa moderadamente séria e rigorosa sobre o álbum. Aguarda. Mas também não penses que a minha vida é isto. Eu tenho mais que fazer, pá. Estudo e tudo. E não te esqueças que estou inclusivamente a gravar esta merda. Mas também, foda-se, demoro menos tempo a redigir uma cagada destas do que tu a lê-la. Ahah. Estou a brincar contigo, leitorzinho(a). Quem faz isso é o Marcelo Rebelo de Sousa. E o Bruno Aleixo. Eu não. E isto não são cagadas. São cagadas muito bem escritas, num português irrepreensível. Ah pois é. Não, agora a sério, vou dormir, meu. Para me despedir, felicito-te, leitor(a) anónimo(a), por teres lido esta fiel redacção. Tens a minha garantia de seis meses de que, agora que leste tudo isto, estás sem dúvida mais culto e inteligente. E digo-te mais ainda: se voltares a ler tudo de novo, vais ficar mais bonito(a). A sério. Ò lê lá... Estás a ver? Pois, pá. Eu disse-te. Agora não te admires se ficares sexualmente mais atraente quando comprares o álbum...são coisas da vida, pronto.

15 de abril de 2009

um texto de co - autoria (incompleto) "O velho que vivia os sonhos dos outros"

Era coronel, daqueles mesmo rijos, só comia sopa - comida da tropa - argumentava ele; e vivia cada dia como se fosse não o primeiro mas muito perto desse, é que, dizia o coronel, muitos seios havia já visto e muita obscenidade havia ouvido para que pudesse viver cada dia como uma catarse completa, um começar de novo limpo. Não obstante esta rectidão um tanto ou quanto obtusa, podia, e fazia-o muitas vezes, transportar-se através dos olhos daqueles que ainda têm a sorte de ver a bola como apenas uma bola e nada mais. Como ele gostava de viajar esse coronel, privava-se de sonhar durante a noite para que pudesse guardar espaço e energia para os sonhos que vivia através dos outros. A sua pusilanimidade impedia-o de viver esses sonhos um pouco mais de perto, de partilhar as histórias emprestadas com aqueles que o queriam ouvir. É que o velho apesar de rijo não deixava de ter cara de vôvô pateta, com o seu bigode farfalhudo e olhar enorme. O velho J., chamemos-lhe assim, vivia desta forma desde que a sua querida M. abraçou um outro mundo que não o dele, no dela não lhe permitiam ruborescer, respirar sequer, era um atentado. Era chuva, tirando o seu velho chapéu, tudo vinha à romaria pérfida com o melhor fato, pingados pela chuva - e ele a agradecia, chorar não cabia na sua dimensão, precisava daquelas frias lágrimas - as personagens deslizavam pela tabuleiro verde contornando os blocos cinzas, ensopados falavam quase num suplício para o Coronel:
- "Foi Deus que quis", "Foi para um sítio melhor" , "Era boa pessoa"
Velho J. não respondia, apenas fitava a sua, a sua mais que sua, enquanto se distraía com os risos perdidos dos pequenos, caçando e apanhando poças vivendo a inocência que é obrigatória ter, notória quando no lar da Morte o seu tapete é um escorrega.
Velho J o rude, havia quem dizia, sempre foi saudoso, e no presente o mais íntimo gesto o levava para bem longe do presente. A solidão, essa amiga inimiga potenciava todo as suas memórias, lembrou-se mais uma vez porque estava só, a data em que ficou só, ele queria ir chapinhar, queria rebolar no chão verde e saltar os tais blocos cinzentos.... Travou-se!
"M. perdoa-me senti felicidade na memória da tua despedida".

sanja.

I

ele morreu. e foi assim que fomos apresentados. « este é o meu amigo que morreu ontem num acidente de viação ». sobre isso, é tudo quanto sei, tudo quanto quis ou me atrevi a querer saber.
dizem que o silêncio antecede a tempestade e assim foi, tal e qual se diz. três dias de sossego em conjunto. três dias de cigarros sem palavras, olhares inexpressivos, rotinas subitamente sem significado aparente. até que, passadas essas setenta e duas horas, «o funeral é amanhã, ao meio-dia, vou partir daqui a três horas no primeiro autocarro, rumo ao primeiro comboio, com destino à última despedida». e deu três passos, até parar ao som de uma única palavra « espera ».
e esperou. ao fim de trinta minutos de espera eramos três, cada um com a sua mochila, a entrar num carro. ela semi-a-dormir, semi-desmaiada, estendida, no banco de trás. a outra a ligar o motor. eu a ligar o rádio, a escolher o primeiro dos seis álbuns que ouvimos nas sete horas que se seguiram. « ao fim de três dias sem comer e sem dormir, adormeceu », « está nas nossas mãos agora. enrola um e toma sentido às placas, que eu tendo a virar em tudo que é curva e é suposto seguirmos, nas próximas horas, sempre a direito ». sete horas volvidas, havíamos passado cinco fronteiras. quatro por necessidade, uma por distracção.

II

passaram quatro horas desde as sete que haviam passado anteriormente. trinta minutos nos quais nos sentamos à volta de uma mesa, com uma caixa de chocolates e uma garrafa-de-água, onde enrolamos os dois últimos da madrugada e trocamos algumas palavras já mal articuladas que terminaram em « podes então mostrar-me agora onde vamos dormir? » e, trinta segundos depois, « ok, boa noite, isto é, até já ».
três horas nas quais acordei de vinte-em-vinte minutos, o que resultou em nove sonhos distintos dos quais não sou capaz de recordar um único pormenor que seja.
os últimos trinta minutos dividiram-se em
vestir,
conhecer a outra habitante da casa que, entretanto, aparecera enquanto dormíamos,
tomar o pequeno-almoço em conjunto,
fumar quatro cigarros,
rodar um, o primeiro do novo dia, entre três dos quatro,
café,
fumar quatro cigarros,
ir, sair e esperar que os demais também fossem e saíssem do quarto-de-banho,
sair de casa.

III

foi então que nos vimos reduzidos a dois, novamente, eu e ela, como na noite anterior, no meu quarto, quando me disse « ligaram-me agora, o funeral é amanhã » e virou costas e caminhou até ouvir « espera ».
primeiro, fomos visitá-lo a casa. batemos à porta, a companheira de quarto abriu-a por ele. entramos e, logo, separamo-nos. elas entraram num quarto, abraçaram-se e choraram numa linguagem da qual dispensei qualquer tipo de conhecimento para as compreender. eu fiquei na entrada, a observá-lo através das portas abertas, disperso na espessura do ar, na arrumação desarrumada dos objectos, em frases escritas pelos papeis, pelos quadros, pelas fotografias, pelas paredes, escritas por todo o lado. sem necessidade de trocar palavras, estavamos juntos pela primeira vez, ao fim de três dias.
sobre ele, podia atrever-me a dizer, com certeza, o mesmo que qualquer um poderia dizer sobre um qualquer desconhecido: absolutamente nada. no entanto, não se tratava mais de um desconhecido. antes, alguém, agora, de alguma forma, inexistente, cuja existência passada passava a envolver-me. um envolvimento leve. de mim era apenas requerido estar presente, assistir, caminhar lado a lado, ser suporte, existir. estar presente, nada mais.
antes de irmos embora, ela fez questão de ir ao jardim do prédio. disse « ajuda-me a encontrar as pedras ».
o chão era, todo ele, composto por pedras. pensei em perguntar algo do género « quais pedras? » no entanto, limitei-me a caminhar em circulos, olhos no chão, à procura de qualquer coisa que fizesse sentido. no entanto, qualquer coisa apenas fez sentido quando ela as encontrou. duas pedras, que anteriormente havíam sido só uma que, entretanto, se partira, com algo escrito nelas, talvez desenhado, não cheguei a ver de perto, mais uma vez, foi tudo quanto me permiti saber, sem nada mais a perguntar. guardou-as na mala, limpou as lágrimas do rosto, e disse « ok, estou pronta, vamos ».

IV

o funeral. viajamos até uma aldeia nas redondezas durante cerca de quarenta minutos. a capela estava situada no cimo de um monte, no qual seguimos o trajecto da calçada, parando a meio para respirar, olhar à volta, fumar um último cigarro, trocar os últimos olhares, enfim, para respirar. na cerimónia encontravam-se cerca de cem pessoas, divididas em grupos que pareciam reconhecer–se mas cujos membros que não falavam entre si. ela quis ir para o fundo. ressalvar a dor de outros olhares que não os nossos, talvez. havia um monitor que mostrava, retrato atrás de retrato, um álbum fotográfico que tinha como função resumir a vida dele e que a fez sorrir e chorar num intervalo temporal tão curto que me pergunto, desde então, se o fez por esta ordem cronológica ou em simultâneo.
caminhamos em conjunto no momento da despedida. lado a lado, mão na mão. cada um com o seu ramo que, à semelhança de todos os outros, pousamos no caixão, já a dois metros do chão. ela murmurou qualquer coisa, para mim, para ele, talvez para ela própria, não sei, e cedemos a vez. voltamos à calçada, onde paramos a meio para respirar, para fumar mais um cigarro, esperar pelos outros e voltar para a cidade.

V

sentamo-nos na primeira mesa, da explanada, do primeiro café. vodka e café curto para recomeçar o dia. entretanto, a outra chegou para nos levar. de garrafa de vodka numa mão, garrafa de sumo de maçã na outra, « bem, eu vou conduzir, não posso beber, mas trouxe isto para vocês que devem estar a precisar ». algo assim do género.
fomos mandados parar pela polícia na primeira fronteira. passados dez minutos estavamos os três nos bancos da frente, eu e ela a partilhar o mesmo cinto de segurança, garrafa de vodka vazia no chão, cinquenta gramas de ilegalidade na mala, com uma paragem a meio da auto-estrada para tentar perceber se podíamos levar a cabine telefónica do s.o.s. para casa, a ouvir a rádio « magic brno – only hit songs », e a sorrir.
chegamos, levamo-la ao colo para o quarto, segurei-lhe nos cabelos enquanto oferecia a vodka e o sumo de maçã a uma retrete e, por fim, fumamos um de boa noite, sentados no chão do corredor, com as luzes apagadas, excepto as que nos chegavam da rua pela janela, felizes por a ver feliz, sabendo que não ia durar, que no dia seguinte iria acordar, sem nós, sem vodka, sem sumo de maçã, sem qualquer coisa para fumar, sem vontade de fazer qualquer uma dessas coisas, sem absolutamente nada excepto a certeza que não há mais como voltar atrás, que acabara de acordar para o pior dia da sua vida.

2 de abril de 2009

O fim ( 2)

 

 

Estou perdido. Já não consigo sequer imaginar o amanhã. O futuro é completamente imprevisível, é como se eu estivesse a caminhar pelo meio de um nevoeiro tão espesso, que se me aparecer uma parede pela frente, eu não vou ter tempo de me aperceber e parar. Caminho mas ainda, muito cuidadoso porque eu sinto o monstro. Como é possível? Nós abandonamos o monstro, caímos na tentação de o alimentar, mas nunca o fizemos. Como é que ainda o sinto por perto? Estou a caminhar sem saber o que fazer, sem saber para onde e sem saber a razão que me move. Atingi o estado de completa ignorância em relação ao próximo minuto. Isto é grave. Está  a tornar-se ridiculo. Eu não consigo planear nada, porque nada tem tempo de ser planeado. O monstro....ele anda por perto, eu sinto-o. Um animal sem sentimentos, com uma atitude completamente maquiavélica, sem olhar a qualquer meio para atingir os seus fins. Fins dignos, mas que para serem atingidos tem de ser filtrados por oceanos de corrupção. Estou a perder a esperança e o mais triste é que o mundo e o tempo estão a mostrar-me que tudo se repete e que eu não me consigo libertar do monstro.

É por estas, e por muitas mais razões, que prefiro guardar para mim próprio, que me pergunto se o Monstro, não será apenas a minha própria sombra. 

 

30 de março de 2009

Palavras

Não há muito que se possa dizer... Acho que tudo já foi dito entretanto. Enquanto escrevo, quase toda a gente já disse tudo o que interessava, ou quase tudo.
Em parte podem ter calado as suas confissões, eles sabem que alguém as revelou, já, ou as revelará, amanhã.

Não tenho mais a dizer. Mas pergunto: que frases omitiram hoje? O que vão dizer amanhã?

Nunca se arrependeram do uso que deram às palavras?

16 de março de 2009

metafísico sem uma meta é só físico, algo que compreendemos razoavelmente bem sem recurso a bibliografia.

ver a vida por um prisma. ver um raio de luz desdobrar-se nos espectros de côr que o constituem. como tirar um véu, despir alguém, ler um diário. antes de nós todos falharam. falavam da natureza, da humana e da das coisas materiais e espirituais. e nunca mais se calaram. ainda hoje os ouvimos em sucessivas tentativas de substituir os dogmas do passado pelos paradigmas do presente, conscientes das limitações da nossa espécie no que diz respeito a declarações começadas por: a verdade é. como se a verdade nos dissesse respeito. se fosse suposto sabermos alguma coisa sobre coisa alguma não precisaríamos de um prisma, nem de estender a mão para descobrir um qualquer véu. e por aí adiante.

nós dispensamos a responsabilidade de saber, de informar, de guiar.
não há nada de que não tenhamos percepção imediata sobre o que esperemos vir a possuir qualquer nível de sabedoria a posteriori. nascemos com demasiadas debilidades nas nossas estruturas subconscientes, a tal ponto que não encontramos no nosso horizonte de possibilidades uma única que nos permita estabelecer uma ponte de comunicação com alguém e transmitir uma ideia. por mais simples, decomposta, indivisível, banal, que seja. é nossa. e um nosso que seja nosso é possessivo por definição, é indissociável da nossa condição, da estupidez crónica que sustem a nossa inteligência. é, numa palavra: um-não-tens-nada-que-ver-com-isso-e-mesmo-que-tivesses-eu-não-to-conseguiria-explicar-ou-talvez-simplesmente-não-esteja-para-aí-virado. logo, não esperes de nós qualquer palavra, nenhum dos nossos dedos se vai erguer para te apontar o caminho a seguir. simplesmente, não importa. o mapa já foi desenhado, os continentes delimitados, todas as coordenadas estão marcadas. a herança que as gerações nos transmitiram com carinho e com todo o seu suor: um livro demasiado rasurado para que possamos agora acrescentar um rascunho que seja. um mundo no qual terra-prometida não passa de uma expressão linguística e, no qual, niilismo se confunde cada vez mais com qualquer coisa que esteja à frente dos nossos olhos pois, no fundo, essa falha, esse vazio é tudo que nos salta aos olhos no meio da imensidão das coisas que assimilamos ininterruptamente.

9 de março de 2009

E Irás Talvez Ferir-te Nos Meus Destroços

Horas em linha, mas desta vez tudo entorpecidamente equilibrado na justa omoplata de razão e embraseamento oculto na introspecta insurreição da nossa memória metafísica, e também, uma vez mais, no plural, desta feita sem meras perguntas ou ousadas questões químicas sob os gestos férteis como nunca e preponderantes quentes e obtusos como frias feridas cáusticas estendidas ao fogo do nosso ósculo. Bravos gestos incorpóreos, Bravo desinflamar estratégico às horas simétricas do esquecimento, que breve nevralgia de necessitar se encontrasse, agora, para não fazer a desfeita ao passado, nos caminhos e trilhos que seriam, agora, estradas inseguras e exíguas no agitadíssimo balanceamento demente da cogitação coerciva na dispensa abandonada que é cavidade do coração em cinzas nefelibatas.
Ainda assim me questiono se deixarás o silêncio abater-se sobre nós com o seu despótico murmurar gélido, e eu, que escrevo à luz da lua híbridos modernos de música e percepção, cegamente crente permanente e eloquente das quentes palavras soltas do pensamento, palavras soltas do pensamento, palavras soltas do pensamento que regem o amanhecer.
Contudo, portanto, mas não descuidando o enredo, se possível melhor, e ao seu perfume estrangeiro, quão exótica despótica fragrância salteadora dos sentidos olfactivos grevistas, que por vezes se opõem ao inexorável racionalismo, e que quase sempre deixam os melhores por terra ao fervilhar taciturno e medonho, de qual edifício nos encontramos, isto é chão duro e opulento da compaixão inalcançável, de qual casa ou lar no deserto inaudível dos segredos do corpo e das suas fugas na parede às estrelas que se fazem prisioneiras nas suas opiniões de brilho ostensivo efémero como se zombassem da nossa miséria maravilhosa em silêncio, qual estrutura magnífica em declínio de sentir sem o pulsar das premissas essenciais ao futuro, e agora a zombaria é a do ardente sol dourado da gloriosa manhã de soturnidade ofuscante, que pelo menos foram essas as tenras palavras que a percepção nos leu, incisivo ao primeiro cavo levantar de pálpebras, farejando o sangue seco das feridas interiores do tal narrador nefelibata, que se de isolamento e exercício mental de caminhos, opções e experiências celestes do interior flamejante se alimenta vorazmente, ao primeiro separar os lábios e, rapidamente, de repente, somos súbitos olhos a viajar o mundo que os rodeiam, e porque não a nós também, confluindo no silêncio vazio e alvoroço físico desta terra agitada e de joelhos nesta mesma terra e seu alvoroço rotativo de solidão e gente desfeita em sonhos ou nulidade, quase lhe suplicamos para parar de girar no sentido inverso ao dos movimentos incertos enigmáticos dos nossos corações secretos, para deixar o sol arder na nossa confusão de entranhas e sofrer bem, sorrindo, ao último deixar o cárcere, estrutura ou casa de rastejante, e cair na silenciosa percepção que nos trouxe até este insano equador da vida.
Sabendo tudo isto inconscientemente não nos sentimos concretizadamente nas nossas posições concretas de fertilidade, que se é isto que sabemos será esse posicionamento radiante de passos por dar e flores nuas nas suas duras cores sujas, viúvas esquecidas pela chuva, que a água tem os seus afazeres no perfeito ciclo dogmático, estejam as flores porventura erradas, e nasce por todo o lado e nunca morre, isto é, pela mesma natureza perfeita que é quase um feliz suicídio, mas sempre lhes chegou a água, que indolência termos julgado o contrário, que agnóstica heresia ateia, para se reproduzirem depois de se alimentarem e antes de alimentarem o futuro. E se isto não é perfeito, também eu cambalearei eternamente nos balanços duvidosos do tempo, que a percepção não terá todo o significado e talvez a água não me chegue à alma, em que iremos pensar sem a nossa louca sonolência de sentidos apurados, Mas a chuva caíu nas flores, não entremos em devaneios de ingratidão a esta terra, não supliquemos ao tempo com o mesmo coração que nos ajoelhamos ao chão desta mãe frondosa e completíssima, pois não só dele nada se concebe em pesada infelicidade ou glória, que importa, como foi ele próprio um filho ingrato de um filho ingrato, poderoso neto bastardo, intransponível àquela página inesquecível em que registei todos os gestos absurdos de ânsia de continuidade, ou contínua ansiedade, também não seria mentira nenhuma, e todos os movimentos arbitrários, tudo em linha, nas horas simétricas do nosso amor indivisível.
Aos momentos térreos do paraíso, um voo de mãos, no eterno sorrir de éter. Ao teu suspirar de pulsos, uma expressão envernizada e distante, que a face humana também consegue saltar por cima de todas as coisas, obstruiu os passos da nossa dança espiral de hálito, mas nada que o teu respirar quente não adormeça facilmente à pobreza incontornável, graves narizes sentimentais, que simetria de medo e contas incertas de paixão.
Não me perdendo neste soturno desperdício dissertar, faço-me lembrar às posições e vultos do posicionamento, pois será daí que desperdiçaremos dissertaremos mais seguros e confiantes. Mas ainda não está nada decidido, só para que conste no seio profundo do teu insciente responder. Talvez hoje sopre menos vento, brilhe menos o sol ou não venham as nuvens com a sua estranheza de mundo, talvez nem haja céu, na opressão do ameno conforto que te criou frágil e que na incerteza perfeita da natureza o universo metafísico se una todo, mas não, perdi-me outra vez a desperdiçar dissertar sobre o tudo e sobre o nada nulo, mais fundo, solene e versátil, na vaga calma, descoberto de mágoa e prazer, em perfeito exagero de frieza, que hoje, sim, hoje, neste dia, deu-se-nos a alma às antíteses e contradições e perfeições, mas descoberto de dor e de felicidade, muito mais solto, austero e sentido, em mim, em ti, na nossa magnificente auriflama de desconhecimento total à tua eterna disposição, à simetria de tempo que controlamos, Horas, aos gestos inarticulados no querer crer na verdade do destino, fado patriota, porque não, aos movimentos loucos no sulco de lanhos abertos que se te estenderam sinceros, teus, à desinência de laços perpetuamente frágeis através da trágica expressão que foi concertina de palavras feridas sob as absorventes raízes do mundo nulo, tolice seria desgastar com palavras a minha eterna memória da nossa delustre embriaguez, a ti.

6 de março de 2009

Amanhã Os Ecos Moldarão Sozinhos Todos Os Lugares Idos

Horas simétricas, e todos os gestos e movimentos em linha descolonizando, bravos gestos de fertilidade, as profecias esquecidas mesmo nas viagens mais longas, e tecem-se os laços, desinência, pois claro, que mais palavras desgastassem a nossa delustre embriaguez, aqui, no topo do mundo. O meu sulco de feridas perdido à tua mão é o nosso desinflamar estratégico e também o teu fornecimento obtuso de preponderância e desconfiança no estóico bulício corpóreo. Corte na tela infame de descoberta, incisão profunda no exigente olfacto infantil, miserável esculpir teu perfume, Movimentos em linha e duros e assombram-nos os irremediáveis espíritos de um conhecer anterior com o ar forte do paraíso, que não permanecesse magnetismo solene e estúrdia de pensamento, que velhos relógios perdidos no amanhecer guardassem devotamente a infusão perfumada das vossas tímidas complacências, demoradas, mas tudo isto seria nervosismo atípico e imperceptível ao âmago de nós, que me abrigo, não se façam as palavras de água em quedas, mas rapidamente se mostrariam ser as mais revolvidas de alma e olhando bem às intransigências meticulosas das nossas feridas abertas, esse revolver interior e transparecer imperceptível é o nosso estimado eufemismo de calma e prazer.
Mas no implacável avançar no mesmo sítio, não podemos esquecer-nos de que todo o fundamento se levanta do chão ao nosso perpétuo estremecer na distância, que todo o mito de perfeição nos movimentos aleatórios do amor nos caísse ao sentimento de mar aberto, futuro e nostalgia, e ainda aparentemente detínhamos o respirar por melhores horas que sempre viriam, não fossem todas estas palavras sonhos mal esquecidos ou brasas ainda quentes, sobreviventes de um fogo anterior e por isso dou-te um nome de água para que cresças no silêncio.
Asas cor-de-sonho, neste monstruoso perecer de saudade que largos sorrisos fossem as longínquas noções de nós sob o impulso da alteza da nossa inocência perpetuamente segura ao nosso chão. Filtros na saciedade que nos afastasse de nós, de tão leve espasmo de leveza espessa e concórdia, na mais alta das ambições aladas, neste mar de recônditos fundos e corais de línguas e mãos dadas que é o verbo metafísico estendido ao ressoar magnético do teu breve coração em chamas, o teu mais profundo precipício de amar e esquecer, Ah, mas as horas simétricas, as horas simétricas e as envolventes metáforas proxémicas, às quais oferecemos o nosso culto arbítrio de liberdade e políticas sofistas do crepúsculo mais isolado na nossa sensorialidade, se é que a palavra já tenha sido concebida, são alvos ao nosso grave respirar, porquê no plural se deveria perguntar, mas para isso, desinência, mesmo conhecendo as fatalidades herméticas do sinistro caudal de questões e o ar forte do paraíso.
Se o topo do mundo nos permitisse, quereríamos subir mais ainda, mas plácidos de superstição são os planos ingénuos de vida ou de morte, de qual questão nascemos nós. De que gérmen solene, mesmo as nossas orações arcaicas e o nosso bulício sibilante na incerteza ou dúvida que fosse a ponte entre toda a prosa de algum vacilar momentâneo e rosas ao objecto estupendo da nossa poesia.
Vejamos o novo dia nascer a voar nestas palavras, e neste enquistar violento, rapidamente somos fósseis encantados na meada química, que nós os homens lidos pelo tempo reconhecemos através dos desenfreados movimentos pendulares no limbo devasso à eternidade, oculta magreza da acção sobrepremediatada, que sim, nas minhas malas-artes sou um mago do neologismo, não me estranhe o leitor ou o crítico malbarate o fétido cansaço da tinta eterna, pois ela também o aparenta, mas rumando ao nédio futuro de algodão, que ainda na ausência do artifício, não se assuma necrose nos fios hermetica e devotamente tecidos da vida, mas a necessidade nevrálgica da nossa posição ancestral remanescente dos caminhos que tomamos, até mesmo dos trilhos que marcamos na mais pura e profunda intenção de seguir, que nos tornou pomposos nefelibatas do esquecimento outrem, rascunho no taciturno citar ao proscénio, lustrosa embriaguez.

20 de fevereiro de 2009

um dia no campo

No meio do nada, um castelo, em todo o lado um eco que reverbera. Uma figura indistinta aponta, insegura, para algures. A indefinição é tida por certa, chamam-lhe incompletude integrante.
Um pássaro, um campo...um grito - uma pena flutua incerta. Havia talvez duas a três flores que choravam num lugar outro. E há, vejo, um abeto que ri desenfreadamente.
A melancolia espalha-se pelo vento solidário. A nostalgia, eterna irmã, emaranha-se num fio contínuo de lembranças desconexas.... A descontinuidade dá-lhe uma credibilidade suspeita
- diz-se da rotina andar de mãos dadas com a morte madrasta. O fluxo deve ser descontínuo para ser pertinente.
...farto de todos estes ruídos desconcertantes saio do bucólico para dentro de mim - fecho os olhos e espero a visita da clarividência. Encho-me de tudo e dirijo-me por fim para algures onde realmente me sinto imperecível.

18 de fevereiro de 2009

nmt2 *

o que eu precisava agora era de um copo de whiskey mas daquele puro sem sinais de stop e luzes vermelhas a interromperem a condução deste ritual de fim de noite. precisava de um copo vazio mas transparente de modo, a que, de qualquer ponto da sala, consiga ver com exactidão o que está por detrás do vidro. sim, não precisa de ser de cristal. vidro do mais rasca, mas transparente. (pausa)

é assim como o povo se sente. precisado, simples mas condicionador. cada um de nós é um peão neste grande jogo que é a vida. (pausa) nada de novo. rigorosamente nada de novo. se for possível, traz-me o jornal quandoas notícias forem outras. ah! e de preferência sem gralhas. e põe-no debaixo da porta para não ter de me cruzar contigo.

amanhã vai-me apetecer esbofetear alguém para de seguida o abraçar. apetece-me fazê-lo todos os dias. mas nunca o faço.quase nunca o faço. nunca o faço. faço. agora. agora que estou a descrevê-lo, a imaginá-lo. é só assim, aqui e agora, desta maneira muito particular em que condenso e exponencio o quase para algo quase concretizável. persegue-me, como a minha decadente estrada por estar corrupta e cheia de receios nas falhas do chão.

às vezes fico parada a olhar para as pessoas na cidade. saio de casa, esqueço as listas de afazeres e permito-me assistir de bancada a esta indiferença que me prega rasteiras de vez em quando. e às vezes também tiro notas, tiro o meu bloco e aponto... muito pouco. fico só a observar os passos cronometrados que as pessoas dão. acho que se estivessem cegas não se enganariam no número de minutos que têm de percorrer. chego mesmo a crer que encaram as outras pessoas como uma espécie de obstáculos que têm de evitar. é isso. nós somos obstáculos uns para os outros. e muitas vezes também somos pontapeados em vez de evitados. não sei o que hei-de achar. se se ser pontapeado será melhor que ser evitado. o primeiro implica contacto e sentimento. o segundo é virgem de sentido...

o que me remete para o whiskey que é puro, virgem. ou, pelo menos, deve sê-lo assim.
(pausa)

não, eu não bebo.

mas a sensação que tenho é a de que bebemos todos... muito pouco uns dos outros.




* Escrito para o evento "Não me toques!" (29 e 30 de Janeiro, 2009), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Não me toques! - uma sociedade de tangências - link

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Nota: A ausência de textos deve-se a variados factores, mas redimo-me assim com este que é talvez o mais cultural de todos os que já publiquei aqui.


Maria Rocha , 2009

12 de fevereiro de 2009

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Sento-me e vejo o dia passar… e o que é que se aprende com isso?
Que um dia tem 24 horas, sensivelmente. E demoram, precisamente, 24 horas e pouco a passar.

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11 de fevereiro de 2009

tessitura da Desilusão

Dois fios apresentam-se paralelos, fazem-se acompanhar por pequenas pedras sobrepostas. As pedras entreolham-se surpreendidas com a insolvência das linhas que se recusam a permanecer apáticas. O horizonte apresenta-se enigmático e as linhas, desenvoltas, apressam-se a descobrir esse enigma, crêem que seguindo em direcção ao fim que não vêem, alcançarão a quimera. As pedras permanecem mudas, as suas opiniões e reflexões fazem-se com o silêncio amigo da prudência. Zelam elas pela pacatez da quietude conquistada. Não obstante, as linhas querem empreender, fartaram-se de seguir o mesmo curso e já sentem a apatia desfazer-lhes as vísceras.

Ignorando as pedras galgam tudo em busca desse horizonte promissor. A viagem é atribulada, chovem vitupérios de todos aqueles que, constantes, são felizes.

Riem! – os pássaros que, sabendo o que esconde o horizonte, aguardam para ver o desfecho de tal determinação.

As linhas olham as mesmas pedras repetirem-se, notam um céu que lhes parece imutável, desconfiam de algo mas continuam a olhar o horizonte como se nada mais houvesse.

Demorará ainda uma eternidade sobre uma eternidade maior até que as linhas, desalentadas, olhem para baixo e reparem na impossibilidade do seu intento. Há muito que foram pregadas ao chão e os seus trajectos delimitados a caminhos delimitados pelo Homem.

Desiludem-se, conformam-se e continuam, por fim, a levar as enormes caixas aos mesmos destinos de sempre, acompanhados pela troça de agora.