27 de janeiro de 2009

O fim

Incrível, como tudo aconteceu da maneira que eu imaginei. De facto, “o tempo destrói tudo”. Evolui-se, cresce-se de uma forma tão imprevísivel e inimaginável que um dia sabemos que melhor vai ser impossível. Lembro-me perfeitamente de um dia olhar para o amontoado de pessoas que tinha à minha volta ( uns trabalhavam na mesma causa, outros tentavam atrapalhar a causa, outros proporcionavam bom ambiente à nossa causa e outros apenas estavam lá porque era lá que queriam estar ) e pensei que esse era o momento que eu podia definir como o pico, o auge de todas as boas sensações e boas vibrações que eu iria sentir na vida.
Nós sentimos, nós criamos um monstro que nos transcendeu, um monstro que ganhou vontade própria. Criamos laços que nunca imaginámos que fossem possíveis de criar. O monstro protegeu-nos, encaminhou-nos e mostrou-nos o caminho. Protegidos, sentimo-nos orgulhosos, sentimo-nos grandes, sentimo-nos únicos.... e fomos. Nós sentimos. Mas o que também sentíamos era que esta causa e este monstro à medida que cresciam e que evoluiam, arrastavam nos por um caminho sem retrocesso, um caminho que nos iria conduzir à angústia. Angústia esta que iria obrigar a colocar-nos sempre a mesma questão: o preço que pagamos por atingirmos o sublime não será demasiado alto? Não será demasiado exigente para meros mortais como nós? Não estaremos apenas a seguir o caminho da auto-destruição?
Bem... chegou, a hora, chegou o momento, chegou a fatídica realidade. O monstro e a causa tornaram-se mitos, nós tornamo-nos nos responsáveis de tal proeza e no fim ganhámos a angústia. Nós sentimos essa angústia.... Acendo agora o meu irónico último cigarro, que se traduz no último prazer que herdei de tamanho império. O cigarro acabou...afinal apenas herdei a angústia e esta não desaparece. Estou a olhar para o espelho e reparo que a única coisa que está a desaparecer sou eu.

14 de janeiro de 2009

terrível romeu

Ontem acabei de reler o Romeu e Julieta e deparei-me com algo muito curioso...Já repararam que a imagem que temos de Romeu é de um jovem honrado, doce, apaixonado? E já pensaram em como essa concepção não podia estar mais longe da verdade? O Romeu com que me deparei é tudo menos honrado, doce ou bom partido. A única verdade é que está apaixonado, mas até dessa paixão desconfio. Digam-me lá, como é que é possível que alguém se apaixone, a ponto de se suicidar, após um primeiro olhar? Nem sequer me falem de amor à primeira vista porque todos sabemos que isso não existe e, até temos outro nome para isso: tesão! Portanto, aceito que me digam que ele sente uma enorme tusa pela virgem(será?) Julieta. À parte disso, falemos da apetência natural de Romeu para matar e como essa veia assassina é completamente esquecida por quem olha com olhos ingénuos para a tragédia de Shakespeare. Um homem que se diz perdidamente apaixonado passados dois minutos de conhecer uma virgem, mata o primo dela e como se isso não bastasse, e para morrer mais descansadinho, ainda mata o pretendente de Julieta antes de ceifar a própria vida, será MESMO um homem bom e um romântico incondicional? Não será esse homem um tarado sexual do renascimento? Não será, por último, extremamente estúpido considerar a história de Romeu e Julieta como o paradigma de um grande amor. Peço-vos que me iluminem com as vossas opiniões que sinto já todo o meu sistema de crenças desfalecer num ápice.

9 de janeiro de 2009

nada de jeito

A brisa da manhã soprava supérflua. Era o esbatimento natural de um espectro de loucura. O vento há muito que estava angustiado e o seu soprar assemelhava-se a um choro fúnebre. Chorava a morte da virtude do homem enquanto via a sua honra se diluir em pretensos textos apaixonados. Em vez de entrar numa espiral apologética de qualquer trauma pueril prefiro escrever disparates e nada dizer. Escrevo os disparates, não porque seja esse o ímpeto mas porque me fartei de ouvir ruídos constantes...sim, vocês sabem quem são. Contudo, creio que nada escreverei hoje....lamento não ter a inspiração devida ou tão pouco vontade. Abraço para os meus meninos.

2 de janeiro de 2009

Precipício ou Partida.

Cheguei. De onde não interessa e onde cheguei também não. O intrigante será mais o que mudou e o que não mudou. O que não mudou é algo que não é preocupante, já o era assim antes de chegar, por isso não me chateia. O que mudou...bem, isso já é algo preocupante. Cheguei a um mundo onde está tudo virado ao contrário. Os falsos amigos tornaram-se amigos verdadeiros e os verdadeiros tornaram-se falsos. As paixões caíram num estado de ignorância em bruto e revelaram-se complicações sem fim emaranhadas em filmes psicológicos que não interessam ao menino Jesus. As certezas....essas nunca existiram, mas agora nem provisóriamente posso acreditar em algo.
Pondero sobre a minha vida e fico com dúvidas quanto ao meu futuro. Dúvidas essas que crescem a cada dia que passa. A minha vida tornou-se num monte cheio de merda onde de cada vez que tento limpar a merda, a única coisa que faço é espalhá-la de uma maneira ainda mais nojenta.
Daí pergunto-me, será que estou perto do precipício, ou será que estou perto do ponto de partida de uma vida de merda?
Seja qual for a resposta, nenhuma é positiva para mim. Vejo um futuro negro.

Adapto Voltaire a um contexto diferente mas com as palavras apropriadas para a argumentação sobre a minha vida.
Conclúo que ponderar sobre a minha vida é como " encontrar num quarto escuro, um gato preto que lá não está". ( Voltaire )

a viagem.

"ticket in my hand and thinking wish i didn't hand it in.

'cause who said sailing is fine?
leaving behind all the faces that i might replace if i tried on that long ride,
looking deep inside but i don't want to look so deep inside yet".

há sempre um motivo por trás da viagem.
até hoje, justificava-a com o desejo de partir.
de, em vinte minutos, decidir tudo o que seria indispensável,
enfiá-lo num saco, e desaparecer.
sentir um peso a cair-me lentamente das costas, do olhar, da consciência,
a cada quilometro que me afastava, a cada traço que via mudar na paisagem.

desta vez, porém, a vontade é de permanecer. manter-me nestas ruas, nestes cafés,
que de alguma forma me fazem sentir próximo, confortável.
aqui não há silêncio, antes um diálogo constante com o exterior.

como a rua de cedofeita, por exemplo,
que é habitada por um casal de fantasmas.
tal como a da torrinha.

um deles é em tudo igual a mim, do nariz para baixo.
só não lhe reconheço a zona do olhar, demasiado distante daquela que encontro num espelho.
o outro é inconstante,
preocupa-se demasiado com pequenas coisas que não deveriam interessar a fantasmas,
passa a vida a falar de sapatos, por exemplo,
se são os que melhor condizem com o vestido, com a estação,
com os carros que estão estacionados,
se são os sapatos que melhor condizem com o universo.

às vezes passam por mim e sorrio porque vejo que são os dois fantasmas mais felizes do além,
ou, talvez não seja isso,
mas porque há definitivamente algo inominável naqueles vultos que não encontro em mais lado algum.

outras vezes caminham em paralelo, um em cada passeio,
a berrar um ao outro como dois atrasados mentais.
quer dizer, olhando com atenção,
só um é que realmente parece estar irritado,
o outro ora encolhe os ombros, ora se ri, ora amua e fuma um cigarro.
e nunca passa disso.

se não lhes conhecesse os nomes, chamar-lhes-ia peace & love,
como alguém certamente já lhes há-de ter chamado noutra vida,
por algum motivo semelhante.

sei que, quando partir, não os vou voltar a encontrar.
e as ruas vão deixar de falar.
os fantasmas eventualmente vão desaparecer, ganhar vida própria.
e o exterior vai deixar de ser um narrador, para se limitar a ser aquilo que me é externo.

e dizem-me que é esse o caminho.
que me devo rodear de carne e osso,
que devo comer como uma pessoa, dormir como uma pessoa,
sentir-me alguém, recuperar algo que a maria diz que se perdeu na zona do olhar,
viver neste admirável mundo novo e esquecer o outro.

é assim que, desta vez, o motivo para partir é a vontade de ficar.
porque fantasmas não respondem quando lhes falamos, quando lhes escrevemos.
porque, por muito que gostasse de acreditar que sim, não posso ter catorze anos outra vez.

porque, em resumo, por muito que seja confortável sentir-te sempre por perto aqui,
tu já cá não estás, nem sou eu quem está aqui, sentado no magnus,
a ouvir esta música, a beber um café, à espera de nada,

já não somos nós que estamos cá, de facto,
e isto tornou-se uma terra de ninguém.

tenho um bilhete para comprar, uma mala para fazer em vinte minutos,
e muito muito tempo para esperar que outras ruas me contem outras histórias.

dar um ponto-final definitivo a esta narração contínua
e começar por algo mais singelo, como um diário de viagem,
um poema,
ou ficar-me por um rascunho de qualquer coisa que me fale pelo caminho.