29 de dezembro de 2008

Deixa-me pensar-te

Sobe-se uma rua íngreme e estreita, cheia de casas que parecem ter sido construídas com legos, umas mais altas que outras, de diferentes cores, mas todas demasiado encaixadas. Na primeira rua à esquerda, é aí que se tem de virar. Mal se possa, vira-se à direita e mais uma vez se sobe uma outra rua tão íngreme e estreita como a anterior, ainda assim, tem dois sentidos. Aí, precisamente aí e não noutro sítio qualquer há o portão verde. Antes tinha outro, mas estava recheado de ferrugem, sendo que a cereja em cima do bolo eram os buracos que deixavam ver uma quinta decadente.

Lembro-me de flectir as pernas, segurar-me com as mãos nas partes mais limpas do portão e espreitar a rua feita de paralelos, as árvores já meio desgastadas, se for possível chamar-lhes assim. É que o cheiro a vida era intenso, mas mais ainda era o cheiro da velhice.

Primeiro que chegasse a tua casa tinha muitos medos para ultrapassar, o das cobras que pudessem aparecer, o das ovelhas que por lá andassem, das galinhas e dos seus bicos. Tinha um rol de escadas de pedra já pouco seguras. Até que, a uma escada do fim tinha umas mãos enrugadas: com o olhar percorria-lhe os braços, os ombros e chegava ao brilhante sorriso. Descia e encontrava o avental, por detrás dele o corpo largo, coberto de texturas que o meu queria sentir. E assim nos abraçávamos.


A mesa, os bancos, a hora do chá, as tardes estendidas pelo ponteiro das horas. E o Gato, sempre lhe chamei Gato ainda que não houvesse novelos de lã, cortinas rasgadas ou sofás arranhados. Nem tampouco bolas de pêlo na garganta. Sempre foi esse o seu nome ainda que fosse um cão. Sempre soube saltar para o sítio certo.

Todos os Domingos eram assim na tua casa.


Subitamente, os papéis inverteram-se. Eras tu que me visitava. Olhei o relógio, marcava as 04:15. Só o Gato tinha ficado em casa. Não sabia que essa era a hora de caminhar para a morte. Nem sabia que as pilhas do meu relógio teriam de durar mais dois meses para que, por volta da mesma hora, a tua vela se apagasse.


Quem soprou sem que fosse o teu aniversário?

Ficou o fumo para te sentir, te lembrar.



-



Ainda que as minhas memórias sejam diferentes das do Gato, juro não saber a quem dói mais. Desde que me visitaste até que te foste, pude acompanhar-te de perto, segurando a tua mão mesmo que os teus olhos se mantivessem fechados, sei porque morreste ou pelo menos sei que é esse o motivo para que te tenha deixado de visitar. E o Gato?

Já não chegava ter sido abandonado por mim uma vez, quando combinei contigo deixá-lo a viver em tua casa, por ter mais espaço e companhia, não… novamente sozinho. De cada vez que o olho nos olhos, de cada vez que vejo o pêlo queimado das lágrimas, arde-me o peito. Eram 04:15 da madrugada quando desapareceste para ele e, nunca… nunca mais voltou a ver-te.

Entre nós há uma diferença de verbos: enquanto que eu não acredito que morreste, o Gato não o imagina. Talvez viva eternamente à tua espera no cimo das escadas. Eu digo apenas que nos encontraremos noutra vida quando formos gatos.

.

"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós".

Quando me esquecer disto, ainda me lembrarei de ti.

28 de dezembro de 2008

futuro.

regressar a essa faculdade de belas artes que é a vida, reaprender a desenhar.
e esperar pela terceira temporada do californication, pela quarta do heroes, por mais episódios do naruto shippuuden e, quem sabe, por algo mais.

presente.

dou por mim no silêncio, ele impõe-se. há toda uma casa para restaurar. é preciso parar, respirar, olhar, fazer um rascunho, começar por algum lado. a estrutura está em ruínas. desta vez, pintar por cima, tapar os buracos, mudar a decoração, não chega. não. é uma questão de tempo até entrar em colapso, até tudo cair por terra.

dou por mim a achar que talvez esteja tudo perdido. mas não é aceitável. preciso de me concentrar, este rascunho é tudo o que importa neste momento. pego numa folha em branco e o lápis impele-me a desenhar os mesmos traços, a traçar o mesmo desenho. esbofeteio esta ideia para fora da minha cabeça. mas só para chegar à conclusão que não é algo que possa resolver à chapada. é preciso recomeçar por outro lado.

dou por mim no banco traseiro de um carro, já sem noção da medida da branca que me molda os pensamentos. do verde que me aquece os pulmões, da transparência que me dilui o sangue. da estrada nocturna fica apenas na memória a intensidade das luzes que ultrapassamos. nesse momento, o pensamento é um discurso. a mente é nada. nem sequer uma folha em branco, pois não há escrita, nada se apreende. as palavras, as frases, as imagens, as ideias, limitam-se a soltar-se. de dentro para lado nenhum. um genérico à star wars do qual serei para sempre o único espectador.

dou por mim estendido numa cama, com um teclado no colo, a digitar tecla ante tecla para um blogue. a pensar no rascunho que se recusa a começar. a tentar observar todos os pormenores do quarto, desde as calças em cima do aquecedor que já devem ter secado há dias, à pilha de álbuns em cima da secretária que apesar de não conseguir ler os nomes a esta distância seria bem capaz de enumerá-los um a um, aos livros cuja tarefa de ordená-los está suspensa em fase de ponderação há mais de um ano. tento observar tudo excepto esta imagem do passado que nem às cabeçadas na parede se afasta um milímetro da frente dos meus olhos, obstruindo o presente.

dou por mim perdido num labirinto de escolhas que não quero tomar. perdido no meio de todas essas conas que não quero foder, de todas as viagens que já não quero fazer, do curso que não quero acabar, dos planos que demoraram vinte e três anos a traçar e cerca de cinco dias a perder todo o significado.

agora que dou assim por mim, percebo. foi tudo uma ilusão - usando um eufemismo. sim, estou deitado, no silêncio, perdido em linhas de raciocínio completamente circulares, em vez de tomar o caminho mais curto entre as premissas e a conclusão à qual já teria chegado há muito no meu estado normal. e é assim que, de repente, percebo, tenho catorze anos outra vez. já não sei nada sobre nada. e fico feliz por sentir que faço parte desta miséria, por me sentir um miserável, por sentir. por não ter absolutamente nada. nem uma ideia, nem uma única pista, um único rascunho. nada.

nada ou um mundo inteiro para voltar a percorrer, uma casa nova para construir, e mais uns nove anos pela frente até retornar à casa de partida. e paro satisfeito, respiro de alívio, olho com orgulho, e dou por mim, finalmente, a começar a merda do rascunho sem fazer ideia de como o vou acabar desta vez.

23 de dezembro de 2008

"In the beginning, if you hate something, it's good, because you don't recognize the beauty of your own truth."


tenho as mãos frias.


como se importasse. a teoria orgânica defende que o que interessa é onde o coração se esconde. (bem poético, hein?) onde está arrumado, guardado, fechado. os membros e as extremidades são desnecessários.

corta-os.

a verdadeira tranquilidade mora na casa dos menos sãos.

fica-me com isto que eu já não preciso da cábula.

Quase

Quase perto, quase incerto, quase dor, quase aí, quase amanhã, quase depois. Quase madrugada, quase aurora, quase dia, quase agora.

Foi quase, quase sete. Foi quase, quase luz. Foi quase, quase escuro. Foi quase, quase choro. Foi quase alegria singela. Foi quase, quase magia. Foi quase, quase sonho.

Foi quase fantasia, foi quase aventura, foi quase um espanto, foi quase um só momento.

Foi quase tarde, foi quase cedo. Foi quase outro ou outra até.

Mas fui eu, “Quasemente”.


Quase, certamente.

22 de dezembro de 2008

passado.

adj.,
seco, reduzido a passa (diz-se dos frutos);
assado;
decorrido, findo;
realizado anteriormente;
atordoado, perplexo;

s. m.,
o que se fez ou disse anteriormente;
o tempo que passou.
(no pl. ) os antepassados.

I

o passado nunca passa, nunca finda. não sei quem é que raio é que se lembra destas definições que nunca parecem fazer sentido quando a vida nos confronta com elas.

o woody allen tinha razão. tudo o que os nossos pais nos disseram que era bom para nós, não era. pré-primária, escola primária, preparatória, secundária, faculdade? só não faço as contas para não me assustar com a quantidade de anos perdidos a aprender coisas tais como que a vida é como um rio onde nunca se mergulha duas vezes na mesma água. antes fosse. heraclito, vai à merda. devias ter era deixado escrito que a vida é como um chuveiro que de tanto se tomar banho acaba por entupir e um dia logo que se abra a torneira começa a cheirar mal.

II

gina. por que não me sais da cabeça? já lá vão sete anos, que é como quem diz oitenta e quatro meses, o que equivale a quê? dois mil, quinhentos e cinquenta e cinco dias? nada mais nada menos que sessenta e uma mil, trezentas e vinte horas em que não te esqueci.

e a minha memória é selectiva, opta sempre pelo pior que passamos quando acha que é o momento de te trazer à tona. como o dia em que me abraçaste para que só eu ouvisse a tristeza com que me disseste que já não tinha muito mais tempo para passar contigo. ou, pior, como a tarde em que te fomos visitar à casa dos meus tios, em que te perguntaram se reconhecias a pessoa que estava ao meu lado e disseste que não. e todos se riram. estava tanta gente naquele quarto, não era suposto ter sido assim. disseram-te que era o manel, e tu concordaste. e todos se riram, outra vez. não gina, não era o manel, nem o joão, nem o antónio, não era o homem do gás, nem o das mudanças, nem o reparador da televisão, nem todos aqueles que, um após um, te iam dizendo que era. caralho, era o meu irmão. não era suposto ter sido assim, sabes? aquela gente toda, aqueles risos não olharam bem para os teus olhos. tu falavas, e eles achavam-te graça. se tivessem visto o mesmo que eu, se tivessem bloqueado como eu bloqueei nos teus olhos que pareciam já ter morrido umas boas horas antes de eu ter entrado naquele quarto, tinham feito o mesmo que eu: absolutamente nada. quando te perguntaram se sabias quem eu era, eu quase morria ali contigo. juro-te, se tivesses dito que eu era o manel, que era o homem do gás, ou seja lá quem fosse que eles se lembrassem de te perguntar, eu tinha morrido ali mesmo contigo. mas não. tu preferiste matar-me de outra forma, limitaste-te a responder: claro que sei, é o telmo, o meu neto. e deste-me dois beijos e um abraço. caralho, gina. eu só tinha dezasseis anos. achas que estava preparado para me despedir para sempre de ti? eu vou precisar de ti até morrer, tal como os meus filhos um dia haveriam de precisar, e os filhos deles a seguir. não era suposto ter sido assim, acordar uma manhã com um telefonema « só para informar que ela morreu ». precisei de um ano só para recuperar a capacidade de falar. e agora, é passado. mas se é passado, por que é que sonho que estou contigo, que me trazes um saco de pão doce, como sempre fizeste, por que é que me sorris tanto? para acordar e voltar a ficar de luto, pela milésima vez, do sonho que acabei de ter? não é justo, gina. não é passado, nem é presente, nem é futuro. não te enquadras em nenhuma dessas categorias, vais estar sempre em todas, afinal, és a minha bisavó, a minha única avó.

e eu quero despedir-me de ti, e da belinha, e do chico, já não vos vejo há tantos anos, mas no fundo sei que vocês vão-me acompanhar até ao dia em que nos juntemos todos definitivamente.

III

gostava que fosse possível limpar de uma vez por todas o raio do chuveiro, fazer as pazes com todos os demónios, poder voltar a ir fumar um com a maria ao porto-de-leixões e passar lá a noite sentados em conversas que nos levavam a todo o lado sem nunca termos tido de saltar para dentro de um dos barcos e zarpar. mas a vida é mesmo assim, como uma melodia do tom waits em que estamos constantemente goin' down slow.

20 de dezembro de 2008

o retrato de.

I
basil hallward, um pintor cuja obra passaria despercebida ao resto do mundo caso, um dia, o destino não o tivesse feito cruzar-se com dorian, que se tornou o seu melhor amigo e a fonte de inspiração da melhor obra da sua vida - o retrato de dorian gray - cuja qualidade ultrapassou largamente tudo o que tinha pintado até então.

II
elefante violeta.

viro as tuas folhas ao contrário, não preciso de as ler para saber que estás presente.

então caminho. vagueio por onde caminho. disperso-me por onde vagueio.

há demasiadas promessas em cada rua.
caminho sobre sonhos; um atrás do outro, calcado, recalcado, ignorado, deixado para trás.

entro numa loja de clichés e deparo com uma frase tua na zona dos saldos.

levas-me à loucura nessa tua maneira demente de ser. abro a gaveta do meio, aquela com os remédios, pego na caixa que diz «para o caso de ela voltar». está vazia. merda.

nada a fazer. tombado sobre o chão, deixo correr o correr dos dias, imóvel e esvaziado de pensamentos - sou um vegetal.

e vegetando consolido, ganho raízes, ganho forma. um dia, ergo-me, por fim.

desço a minha própria montanha, misturo-me entre pessoas e venenos. vivo. olho no espelho, o reflexo é vazio de conteúdo mas sinto ter encontrado o mundo na palma da mão. sorrio, tal e qual nietzsche quando se achou super-homem, é agora uma certeza inquebrantável: enlouqueci.

nesse momento, sei que estou pronto a voltar. viro as folhas para a sua posição original. leio-te em cada linha, dou-te a mão no último ponto final.

nada mais a fazer. na saúde e na demência, amo-te.

agosto 2007.

III

basil espantou todos os seus amigos mais chegados quando confessou a vontade de não expôr a sua melhor obra em qualquer galeria, em qualquer lugar. apesar de o modelo ser dorian, o pintor acreditava que era sua própria alma que se encontrava retratada naquele quadro ou, nas suas palavras mais contidas, «aquele quadro contém muito de mim mesmo».

e assim foi. o quadro ficou, durante anos, tapado por um lençol, fechado num sotão, simultaneamente escondido e ignorado.

um dia, porém, ao se aperceber das mudanças na alma do seu melhor amigo e fonte de inspiração, ao ver até que ponto ele tinha passado de jovem ingénuo a amoral, a sua vontade subitamente mudou.

quis recuperar a sua obra, expô-la, expôr-se a si próprio e ao seu amigo que entretanto tinha-se tornado tudo excepto o seu amigo.

mas embora não o soubesse, era já demasiado tarde para tudo.

IV

o teu nome é elefante violeta. ou outra coisa qualquer daquelas que estes anos me tenham ensinado a chamar-te. dei o teu nome a algumas palavras que escrevi há dois verões. mas não é como se pretendê-se que elas fossem o teu retrato - nunca o foram. ao lê-las nem sequer me passa pela cabeça que contenham muito de mim, contêm um pouco, isso sim, não to consigo negar de uma forma que seja sincera.

retirei-as daquele bloco da moleskine, de capa preta, versão «pocket». aquele que jamais me passou pela cabeça mostrar-to, e que achava que nunca que me iria passar nem pelo cú a ideia de um dia partilhá-lo num blog.

os tempos talvez não mudem, mas mudam-nos. basil mudou de ideias e eu, bem, eu cá estou.

V ( ou, talvez, ps: )

nunca me vou esquecer da noite em que o bob dylan nos disse para não pensarmos duas vezes. mas esquece o «don't», ele não o disse directamente para nós, concentra-te no «think twice, it's alright». bem devias saber que é o que tenho feito.

ainda não é tarde demais seja para o que for.
daqui a umas horas vai ser manhã, vai estar frio mas o sol vai brilhar como eu já não via há alguns meses.

15 de dezembro de 2008

Por Assim Dizer



Venho aqui empenhar algumas palavras em nome da cultura, como sempre. É esse o conceito mestre comum a todos aqui reunidos. E há nisto algo de solene e religioso. Coisa que este intrépido ególatra não pretende violar ao usar este blogue sagrado para fins auto-promocionais. Ná, nada disso, amigos. Estou é a difundir um projecto musical, que - é óbvio para todos - a música é uma das mais naturais manifestações da e/ou de uma cultura, e nós, neste completíssimo arquivo, neste blogue cultural e quase bíblico, não queremos descurar tão imperial aspecto desse domínio. E isto parece-me muito menos egocêntrico do que a verdade - vou começar as gravações do meu primeiro álbum a solo e queria que vocês soubessem. Não pensem que vou falar bem do projecto só por ser meu. Não sou faccionista. Podem esquecer a potencial parcialidade e ausência de objectividade nos critérios, ou qualquer outro tipo de indecência ética. Sou um gajo justo. Assim, o que vos vou dizer agora é completamente imparcial e objectivo: este álbum irá descer à terra directamente do Olimpo, enviado por Apolo, produzido e masterizado por Marte, nas mãos de centenas de virgens voluptuosas, com asas de anjos judeus, e será a melhor obra musical alguma vez concebida por seres humanos.

E agora, num exclusivo do traumacultural.blogspot.com, totalmente inédito e em primeira mão, eis uma coisa que eu escrevi:

Por Assim Dizer é, em primeiro lugar, um ensaio onírico. Só depois um objecto de exasperação.

Daí ser essencialmente puerilidade, hipostasiação e desconforto. Das cordas inexoráveis de uma guitarra, fazer vibrar palavras, versos brancos, poemas. É um dedilhar memórias de pessoas por vezes coloridas e de lugares que nos são estranhamente familiares; um escrever histórias simples de amantes e pretendentes nas teclas torturadas do piano. Cada nota é um sentimento diferente, único e intraduzível. Cada sofrido compasso, uma pequena metamorfose, um fragmento de vida, um luxo de passo para a morte. Mágoa em semínimas. Amor bemol.

Todas as melodias são cinzeladas à mão por este melónamo artesão. São texturas de sonhos, sereias subtis que se me escorrem das mãos, dos dedos para quaisquer ouvidos abertos. Um baixar as defesas. Mecanismos de silêncio. Os teus movimentos sem saída seguros por raízes. Para além de beleza, não têm nada a dizer. São paixões. Uma cópula carnal. Sinistra sinfonia de rosas.

O experimental e a descontrução são inevitáveis. Uma inspiração imprevisível. São lograr cansaço. Regem-se pela ordem arbitrária de vácuos impalpáveis. Uma sépala de gestos mitigados. Um ruído é a infusão compósita de almíscar e tiquetaques negros. Uma vertigem espiral encerrada numa nuvem de éter. Uma sonolenta tarde de verão e arco-íris de areia em postais amarelecidos. Dedos mortos no fumo.

Cabe aos amigos um ténue perímetro de reconhecimento. Um lugar no tempo perfeito. Línguas de ópio. Sáficos, jâmbicos ou heróicos. Delicadeza de vidro na voz, grito de vapor poético. Fogo-de-artifício nos pulsos, nas mãos, nos lábios, nos dedos. Jovens valquírias e trovadores na noite.

O desejo é congregar todas as coisas. Amar um mundo. Nasce uma flor. Velhos inventários elegantes, com a velha glória das grandes nomenclaturas. Parece-me que já estive aqui antes. Fito a vaga remniscência. Este é o laborioso ofício da mais minuciosa lavra, executado na mais traiçoeira brenha. Mergulhamos entre as músicas, deixamo-las respirar, perdemo-nos na justeza de um murmúrio. Damos-lhe um nome. Damos-lhe um lugar. Damos-lhe um carácter. Damos-lhe vida, por assim dizer.

13 de dezembro de 2008

menos


desta vez não me afasto. desculpa, mas não me afasto. que chova, que neve, que caiam raios mas não me afasto. venho todos os dias aqui e não, não comprei o lugar, não há nada que indique que é meu, mas, honestamente, olha para mim, analisa-me, se preferires, achas mesmo que preciso disso? a minha presença é intermitente mesmo que contínua e dona de liberdade. 
sou um sem número de merdas e nem tu me vais entender. acho que mais vale que te convide a fazer uma viagem no tempo e que te relembre que ao segurar um copo de vodka na mão se pode, factualmente, comandar o mundo. nunca me julgues já. atenta no que te digo. se foi para isso que viajaste tanto ou tão pouco, espera. até podes estar de braços cruzados, pernas irrequietas, mas espera. consome um pouco de paz e escuta. eu dizia, há tempos idos, que somos compostos por um pouco de tudo. aquela história da amnésia selectiva é por demais sedutora, mas prefiro carregar estas malas cheias de coisas. boas e más, mas que afinal de contas são coisas, sim. mas são minhas. e só minhas. e de quem mas proporcionou. não sei bem como cá cheguei nem o que se vai passar a seguir, mas neste instante tenho-te na mão. o controlo é só meu. apercebi-me que andava a guardar tempo dentro dos bolsos e nem vale a pena. não vale. e não me importo. criei uma despreocupação por este tipo de coisas que o que me interessa é estar livre, sentir-me livre e poder passar aos outros o que me corre nas veias. por momentos, juro que me esqueci de que recorro a este exercício para me sentir em comunhão com tudo o que me rodeia. esqueci-me, assumo. tenho ideia de que achei que cada vez mais me conseguissem ler os segredos. e é impossível. por mais que escreva, por mais que grite, por mais que... 
será sempre de menos. 


6 de dezembro de 2008

Demência...

Estou completamente rodeado de escuridão. Tento acender um fósforo mas ele apaga-se imediatamente pois o escuro é tão denso e frio que nem uma chama resiste a tão densa escuridão. Estou sentado a concluir que é isto a minha vida. A minha vida é escura, densa, e negra, onde a esperança de ver algo colorido e quente se vai desvanecendo. A esperança é vaga, mas insisto em mantê-la viva para não me deprimir completamente para o resto da minha existência. Chego a um determinado ponto da situação que tenho um espasmo cerebral e me levanto. Levanto-me, olho à minha volta, para todos os ângulos possíveis e imaginários e não vejo nada... só vejo negro, escuridão absoluta. No entanto desato a correr numa direcção que escolhi aleatoriamente e aí vou eu. Corro, corro sem parar, cada vez com mais velocidade começo a desesperar e grito o mais que posso enquanto corro com todas as forças que tenho. Começo a entrar no cansaço e desfaleço, caio no chão sem forças nenhumas e começo a chorar de desespero. Neste momento digo para mim mesmo que nunca irei sair desta escuridão, deste vazio. Vazio que me começa a corroer as veias que percorrem o meu corpo, vazio que me corrói os pensamentos e os sentimentos.
Subitamente vejo um pontinho branco muito pequeno lá ao fundo. Agarro no resto de forças que tenho e corro em direcção a esse pontinho. Corro durante horas e o pontinho não cresce, não se aproxima. Desato a chorar de desespero porque já não sei o que fazer para sair desta escuridão, e é então num acto de demência que contínuo a correr desesperado com as lágrimas a percorrerem a minha cara, até que o pontinho muda. Ele começa a crescer e eu sinto que me estou a aproximar de algo. O pontinho branco cresce e emana uma luz branca intensa do seu interior. Aproximo me demais e fico cego, encandeado pela luz. Páro e esfrego os olhos para ver se eles recuperam do encandeamento e é nesse momento, que começo a conseguir ver para o interior desse ponto. Já vejo, descobri a saída da escuridão, descobri o que está no interior daquilo que era um pontinho branco lá ao fundo... afinal não era só um pontinho. Era uma saída da escuridão em que se encontrava a minha vida. A luz que emanava do túnel, a luz que me guiou, que me tirou da escuridão...... eras tu.

27 de novembro de 2008

substituição


e se substiuíssemos os números nas equações por letras? juro que me apetecia traçar um
mapa numérico com uma equivalência gramatical. no fundo, números que correspondessem
a letras. não compliques. não vomites tudo o que a tua mente digere. esquece a espontaneidade.
às vezes há momentos em que mais vale que te cales para não te insultares a ti mesmo.
sim, isto vem desde o tempo da primária, mas quando nos habituaram a falar do Homem, a mulher - eu - também lá está. e não é nada redutor. é só estares bem como estás. nesta vida, nasceste mulher mas é completamente irrelevante (e não é tanto assim). foda-se. porque é que pensas demasiado? as luzes de natal trazem-me leves memórias do que é a inocência, a ingenuidade. quando volto a piscar os olhos e os abro vejo os sem-abrigo a invadirem os autocarros na esperança de travarem uma conversa, um diálogo, um monólogo. e rapidamente passam de sem-tecto para bêbedos e para doidos. doidos estamos nós que levamos os passos contados das escolas até casa; dos trabalhos até casa; das faculdades até casa; do nada fazer até casa e ignoramos os que se cruzam connosco pelo caminho. negamos-lhes atenção, disponibilidade, calor humano - mesmo que distante. estamos anestesiados. forte e brutalmente anestesiados.
e eu só penso em como está frio, em como nada me surpreende e surpreendo-me por ter chegado a este ponto. já não sinto (quase) nada. e tu?

xadrez III

- não devias viver as tuas relações como um jogo de xadrez.
- talvez estejas certa, mas se não jogassemos nunca chegaríamos ao cheque-mate.
- e, ao menos, ganhar faz de ti uma pessoa feliz?
- acho que te ia ajudar a compreender se pensasses nisso antes como uma mera forma de evitar a miséria que é sentirmo-nos derrotados.

xadrez II

Pontuação:

Morte - I
Cavaleiro Antonius Block - O

xadrez I

isto não era suposto ter-se desenrolado assim.
todos os ideais, ficaram-se pelas ideias.
dei por mim a perguntar, onde se reconhece humanidade, como se sente compaixão, como estabelecer coerência, só para dar comigo a responder que nada condiz com o que se encontra no dicionário.

ingmar teve um sonho no qual jogava xadrez com a morte e lhe perguntava sobre deus e o sentido da vida. ingmar perdeu, e a única coisa que descobriu foi que a morte não tinha respostas para lhe dar.

tudo à minha volta põe-me em cheque. não importa se monto uma barreira com os peões, se decido avançar com os cavalos, nada se altera se sacrifico a rainha. talvez seja impossível ganhar-se à morte - dou-te isso, como se por garantido - mas é possível que te tenha escapado que a vida não é um adversário menos escrupuloso.

perde-se o lar, o amor que existia na nossa vida, a nossa vocação, a coragem de escrever na primeira pessoa do singular, e tudo para se chegar à conclusão que já não sobram assim tantas peças, que talvez nunca tenhamos medido bem a extensão do tabuleiro, nem a nossa capacidade de o percorrer.

vou fumar um cigarro, e esperar tranquilamente pelo momento em que, despojado de qualquer possibilidade de fuga para trás ou para a frente, na ausência de alternativas minimamente aceitáveis, possa enfim declarar-me em cheque-mate.

26 de novembro de 2008

Inutilidades...


Será que podemos utilizar a inutilidade para algo útil? Apercebo-me agora que sou apenas um utensílio desta inutilidade inútil. Sempre que medito sobre esta inutilidade que pratico, atinjo a conclusão, sem muita especificidade e sem muito rigor, que tudo tem o seu propósito. Agora se aprofundo mais do que estas premissas vou entrar num argumento com uma conclusão inútil e depressiva. Qual é o meu objectivo no meio de toda esta teia de pensamentos e acontecimentos inóspitos na minha vida? Deixo a resposta ao critério do meu próprio fado, pois se há algo de inútil no meio de tudo isto, é perder o meu tempo a pensar nesta fútil inutilidade que vivo neste momento, quando aquilo que desejava desde o início era fazer com que a caneta com que esboçei este pequeno post, ( esboço este, elaborado em frente ao muro de Berlim, enquanto esperava que algo de extraordinário me inspirasse em tal histórico espaço físico ) fosse uma arma contra a estupidez que vejo habitar nas ruas da minha pátria, na minha faculdade, nos meus empregos em part-time, no meu Erasmus...enfim, em demasiados sítios, que me começam a enojar por o mundo estar a cultivar a ignorância, em vez de se cultivar cultura, educação, amizade, fraternidade e respeito pelo próximo.


24 de novembro de 2008

notas para o diário



deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.



Al-Berto
Horto de Incêndio


---

encarem estas palavras como um presente.
um daqueles que não se está à espera. talvez tardio, fora de ordem.
como alguém que faz anos e passados seis meses recebe algo
que a faz sorrir de forma plena.
al berto, tal como mais um par de coisas muito restritas, para mim,
faz parte daquele universo de coisas, pessoas, lugares que me faz
sentir tudo de forma... plena, lá está. o bom e o mau. o mau e o bom, misturados.
como aqueles dois momentos do dia em que o sol se confunde com a lua no horizonte.

o que é que isto tem haver com cultura? - perguntam vocês.

tudo. porque poesia se toma com um café, com um cigarro, com um abraço, com uma carta, um postal...
nunca fiz muito sentido, mas ao ser tão linear nisto fez-me encontrar o meu próprio sentido.
uma ordem dentro do caos.

o meu nome é Maria e sou o único elemento feminino por aqui (e por enquanto).



22 de novembro de 2008

2h55

lucidez
s. f.,
qualidade do que é lúcido;
clareza;

perceptibilidade;

clareza de pensamento ou de raciocínio;

perspicácia.

[ no caso de duvidas é só clicar aqui ]

conclusão: que raio de noite. e isto só vai piorar.

21 de novembro de 2008

bronquite aguda.

então é assim:

durante os próximos dias não posso beber, fumar, sair do quarto.

tenho um anti-inflamatório para tomar após as refeições, acompanhado por um suplemento de vitamina c, um anti-biótico para tomar de doze em doze horas, e tenho que misturar quarenta gotas não-sei-bem-de-quê-mas-é-suposto-suavizar-esta-tosse-de-cão-quem-nem-quando-estou-a-dormir-passa com água ou chá, três vezes ao dia, mais um spray para pôr - isto vai soar estranho mas também não sei como explicar melhor - nos dois lados da boca.

o gajo que divide o quarto comigo vai uma semana para berlim ( supostamente porque aquilo é "giro" mas eu sei que foi a única desculpa credível que ele arranjou para evitar contágio ), ou seja, se a meio da noite me der o badagaio, ou a meio da tarde, ou da manhã, estou entregue aos bichos. e, sim, isto é para ser tomado literalmente, pois a partir de hoje sou só eu e a carolina - a pequena aranha que partilha o quarto connosco, mas sem participar nas despesas do mesmo.

nas últimas três noites vomitei quatro vezes, de tanto tossir, e parece-me escusado explicar melhor que dormir não tem passado de meia-dúzia de tentativas algo frustradas durante a noite.

mas o que me preocupa mesmo é que ainda não consegui arranjar um esquema de como vou conseguir suportar tudo isto - doença, ausência de seres-humanos, medicação a tempo e horas, impossibilidade de dormir durante um periodo de tempo minimamente aceitável - neste estado de absoluta lucidez. estas drogas - que eu tenha notado até agora - não têm nenhum efeito secundário que valha a pena registar e misturá-las com álcool só ia servir para cortar o já de si pequeno efeito que estão a ter em mim - sem qualquer tipo de vantagens alucinogénas.

por isso, para já vou mas é dedicar-me a vasculhar o quarto a ver se encontro algo para me entreter - não há-de ser difícil, no meio deste tédio contentava-me até com um pacote de bolachas ou um ió-ió. e pode ser que daqui a umas horas se acenda alguma luz no meio desta pasmaceira.

18 de novembro de 2008

noite sem mortalhas.

ultimamente tenho andado em constante estado flash-back. não se trata de déjà vu, nem de saudade, nem tão pouco de alzheimer - espero eu. mas há recordações que me saltam à consciência com tanta intensidade que mais parece que levei três mocadas de tal ordem na tola que não as consigo ignorar.

como hoje, devia ser umas oito horas da noite - isto é, sete para ti - eu estava a fazer o jantar, e enquanto fatiava o alho, o tomate e o limão, enquanto temperava os bocados de frango com o tinto e punha o estrugido do arroz a aquecer, lembrei-me da noite em que me perguntaste o porquê de me virar sempre de costas para ti para tirar o preservativo.

um gajo depois de acabar de se vir deseja tudo - e por "tudo" entenda-se, basicamente, paz, sossego e amor no mundo ego-centrado em que vivemos - excepto iniciar uma discussão antropológica sobre os nossos traumas sexuais... mas como nem sempre se pode ter o que se deseja, ou, talvez, simplesmente, por gostar de ti ao ponto de não conseguir negar-te uma resposta, lembro-me de o ter justificado como sendo a "minha condição masculina".

a teoria da c.m. resume-se da seguinte fora:
cada género está condicionado por vários factores, chamemo-lhes XX - nas mulheres - e XY - nos homens - para dar a isto uma pinta mais científica.
nos factores XX, incluí-se o comprimido que tens que tomar todas as noites, para evitar que telminhos comecem a saltitar por aí a torto e a direito, a semana mensal em que o teu humor fica mais sensível e a tua sensibilidade mais bem humorada, e pouco mais que valha a pena estar agora referir.
já o factor XY é singular: limita-se ao momento em que tiro o raio do preservativo. é o gesto mais deprimente e menos dignificante de que as minhas mãos são capazes - é a minha condição masculina.

por que é que me viro de costas? - perguntavas tu, há tanto tempo que já perdi a noção se devo dizer há meses ou anos - bem, possivelmente, pelo mesmo motivo que me pedes para sair de casa, ou, que tentas trancar-me no quarto, quando te dá vontade de ir à casa-de-banho. não há muito que eu não partilhasse contigo, apesar de haver demasiado que não posso partilhar - como o frango desta noite, temperado com tomate, azeitonas, alho, vinho tinto, azeite, sal, pimenta e um molho que se quiseres saber qual é vais ter que me pedir para fazer para ti - mas... depois de me vir, aí já não se trata de partilhar ou não, de ter ou não vergonha, de querer ou não satisfazer a tua curiosidade que é mais que natural, não. é científico. biológico, se preferires. freudiano, talvez. XY - nada que algum dia te possa verdadeiramente explicar pois a compreensão implicaria uma mudança de 50% dos teus cromossomas, mudança essa que nos iria irremediavelmente impedir de partilhar uma cama despidos e, consequentemente, de algum dia me fazeres essa pergunta.

enfim.
são seis da manhã aqui - cinco para ti - o meu companheiro de quarto está a fazer meia-noite ( sim, o tempo não é relativo só de país para país, consegue sê-lo também dentro de um espaço fechado ) e eu estou há meia-hora dedicado a este flash-back-escrito do flash-back que tive há dez horas atrás.

não é que não haja mais nada para fazer, que ainda há. mas foi a forma que encontrei para me distrair do facto de termos esgotado o stock - que há uns tempos tinha sido capaz de jurar que iria durar para sempre - de mortalhas que havia no quarto.

são seis da manhã aqui, e estou prestes a deslizar da cadeira para um sono profundo. a noite passou sem fumo, sem ansiedade, sem mais nada para lá destas palavras que enrolei aqui para que as fumes numa noite em que também te encontres sem mortalhas.

17 de novembro de 2008

faixas preferidas.

outro mimo LastFm - a possibilidade de acrescentar um coração às músicas do respectivo orgão vital.


Rino Gaetano - dois minutos na Wiki e cria-se uma empatia. songwriter virado para a intervenção social, morreu aos trinta a caminho do hospital, depois de ter sido rejeitado por outros cinco hospitais, após um acidente de automóvel, poucos dias antes da data em que se ia casar - em semelhança ao que aconteceu a uma personagem numa das suas canções. a carreira de apenas seis anos, que teve início já há mais de três décadas, marcou uma geração e não foi esquecida pelas que se lhe seguiram.

ocupando o segundo lugar desta semana, com fortes possibilidades de atingir o número um, com uma canção já listada nas faixas preferidas, Rino Gaetano e o restante top:

16 de novembro de 2008

Realidades Ontológicas????


Sou forçado a partilhar convosco a matéria anedótica que estou a estudar no país que não posso dizer qual é, de uma disciplina de um curso que não é o meu mas que também não posso dizer qual é, para não ferir susceptibilidades. Acabo de ler 50 páginas, onde se repete a mesma frase no percurso destas doentias e fracas páginas: " Bad things happen to good people". O que é isto? O pior é que alguém escreveu mesmo isto. Será que estes tipos querem mesmo entrar na União Europeia a ensinar este tipo de coisas? E depois só porque sim, escrevem ainda mais anedotas e falam de "Realidades Ontológicas" ? Enfim....


Aqui a ignorância cresce desmesuradamente.

15 de novembro de 2008

Puras Divagações....

Procuro por uma mortalha, um filtro e o tabaco em cima da minha mesa e encontro tudo menos o que quero. Encontro, comprimidos, lenços usados, livros, folhas com apontamentos miseráveis de aulas a que não precisava de ter ido, velas, web cam, tabuleiro de xadrez, embalagens de preservativos, chiclets, enfim, todo um pack de instrumentos que um estudante de filosofia necessita mas que neste momento é tudo aquilo que eu não preciso. Cá está, foi preciso vasculhar toda esta mesa dos meus tormentos para matar a minha traça por um cigarro que contém aquilo que quero: nicotina. Inspiro profundamente e dedico-me a elaborar uma obra de arte, um cigarro sem um único vinco, sem uma única deficiência. No meio desta concentração toda passeia se por aqui um ser humano do sexo feminino de lingerie que pouco me ajuda nesta minha epopeia de construir o cigarro perfeito. Termino a minha tarefa e denoto que o resultado não é o que eu queria mas está fumável. Acendo-o e olho para a vista que tenho da minha janela e vejo no bloco em frente dois personagens em plena vida selvagem estando em profunda penetração, colados como dois cães em época de cio. Passa por mim novamente, a mesma lingerie que me começa a perturbar o pensamento. O cigarro morre mas a minha vontade de fumar é neste momento ainda maior, talvez por ter ingerido uma garrafa de vinho tinto sozinho e por ter feito a descoberta do ano e ter encontrado finalmente um vinho em condições. Abro a janela e fumo outro cigarro. O acto animal que acontecia à mnha frente felizmente terminou sem muita admiração minha, pois com este frio não seria possível manter o acto durante muito tempo. Alto... lingerie em aproximação directa ( olho para o horizonte e finjo que estou sozinho ). Saio da janela e abro a porta do meu quarto e vejo centenas de zombies a vaguearem todos à procura de uma fêmea. Alguns parecem ter algumas hipóteses de sucesso e terão uns loucos 10 minutos de loucura e de ejaculação precoce no estado em que estão. Amanhã irão regozijar-se de algo que pensam ter acontecido mas que afinal não passou de uma tentativa frustrada de penetração. Bem... depois, de tanta divagação sem fundamento e sem uma lógica pré-determinada chego à conclusão que chegou a hora de fechar a minha porta do quarto. Lingerie nas proximidades, novamente. Pego no meu livro de Nietschze, abro-o e....


Aviso: qualquer semelhança com a realidade não passa de pura ficção cientifica.

7 de novembro de 2008

Uma quase asneira...


Após muita meditação para contribuir para este maravilhoso blogue, que é apenas ainda um recém nascido, mas do qual se guardam muitas expectativas dos seus inspirados e nobres "traumáticos culturais", apenas me ocorre a descrição da minha soberba idiotice. Denoto diariamente em mim uma crescente estupidez nas minhas disposições triviais. Vou então através deste notável testemunho demonstrar-vos quem sou eu ampliando uma moral bonita e idiota a esta história.
São 17:00 e recebo uma sms a pedir me para estar no centro da cidade às 18:00. Vou e volto a entrar no meu quarto quando vejo que me esqueci de levar o lixo, pois o cheiro deste é completamente nauseabundo e obviamente que não quero receber reclamações dos vizinhos a dizer que o meu quarto cheira mal. ( Poderia pensar-se que eu seria o culpado, mas divido o quarto com um animal das pistas ). Entretanto jovial com a minha vida de Erasmus pois não há responsabilidade nenhuma que me incuta stress no meu dia, bloqueio na porta do dormitório a fazer um cigarro, ( percebam que este cigarro checo que enrolo intitula-se de “Javanse Jongens”, e traduz-se por jovens japoneses ) acendo o cigarro e encosto-me a cogitar sobre como a minha vida deveria ser tão simples e como eu a consegui emaranhar num curto espaço de tempo ( mesmo curto, dois meses ). Mas como as complicações aqui são o que menos importa nesta camelice vou directo ao elementar. Dirijo-me ao caixote do lixo, coloco lá os meus sacos nauseabundos e coloco-me a caminho daquilo a que eles chamam de “tram”, ( ao que em português poderemos denominar de Eléctrico ) e quando me encontro dentro do tram surge a minha voz da consciência e ela pergunta-me: “seu deficiente, saíste de casa e não tens nas tuas mãos o dinheiro nem os documentos que vais necessitar”. Apesar de eu não estimar muito a minha voz da consciência desta vez tive que lhe dar a sua consideração. Logicamente volto para trás e quando entro no meu quarto, naturalmente depois de muito procurar a minha carteira cheguei a uma conclusão, e novamente tive de ouvir a minha voz da consciência: “és mesmo deficiente, nem me acredito que deitaste a tua carteira no caixote do lixo”. Corri para o caixote e com a ajuda de uma vassoura retirei-a de lá, ( sendo a meio surpreendido por uma estudante que ficou estupefacta a olhar para mim porque imaginava que eu estava a comer do lixo ) e por milagre resgatei a minha carteira que continha: 400 euros em dinheiro, o único cartão do banco que eu cá tenho e que sem ele não tenho dinheiro absolutamente nenhum, bilhete de Identidade que necessito para voltar para Portugal e o meu cartão de saúde. Resumindo, se a minha carteira não estivesse lá eu estava completamente fodido.

Moral da História: “Existem bons motivos para se separar bem o lixo”

3 de novembro de 2008

Cidades da Noite Vermelha


É que já não lia nada de Burroughs há uns anos largos, e reviver a violência doentia daquelas linhas faz-me fechar abruptamente o livro, com mais força do que desejaria a soneira do resto das pessoas que vão no metro da Trindade até à Casa da Música. Há tempo suficiente que não visualizava, pela manhã, um miúdo de oito anos a fazer um broche a um velho nos cinquenta para conseguir um chuto de heroína marada.
Mas no "Cidades da Noite Vermelha" nem tudo me fez lamentar ter perdido o estômago literário e a ousada noção de relatividade da adolescência. Qual foi o meu espanto, quando ainda sorvia as primeiras dezenas de páginas, ao não encontrar nelas a desordem de sintaxe, da sequência, e do sentido a que Burroughs me habituara, mas, por sua vez, uma melíflua conciliação de módulos ficcionais que divergem entre si para depois convergirem numa narrativa de quilate superior - uma realidade ficcional - que tem (remotas) hipóteses de ser considerada romance.
Agora vou acabar de ler a merda do livro. O gajo escreveu muito bem, como poucos, mas era obviamente passado dos cornos. Também, à droga que mamava, não era para muito menos. Retirando a cartola, cometo a gentileza de vos presentear com uma passagem do livro, poética, mas, foda-se. Que a tradução não seja grande coisa, não é culpa minha. Além do mais tem direitos protegidos e eu não posso alterar o texto, não vá o diabo tecê-las.

(Para contextualizar: o narrador refere-se a drogas: ou enforcamentos que, no enredo, funcionam como drogas.)

"Tem todos os vendedores de cordas [de enforcamento] a fazer esteiras... e está a enviar vermelhos quentes e anjos brancos e queimaduras azuis e luzes negras e verdinhos... tudo. Depois mistura-lhes cantáridas e vende-os nas casas de putas de Ba'dan.
- Não há dúvida que é um empresário.
-Está a fazer subir os preços, o grande filho da puta.
-Será melhor que arranjemos uma boa reserva.
Caminhamos pelos bazares, apreçando o nitrito de amilo e os afrodisíacos coloridos. O preço quase duplicou, mas sabemos que em Ba'dan o material adulterado é vinte vezes mais caro.
Os vermelhos quentes provocam manchas e pontos vermelhos, retorcem o cu vermelho, fazendo uma comichão de rebentar, e pode-se arrumar a questão de vez com um chuto vermelho. Aqui a coisa pode-se tornar perigosa, provocando hemorragias internas ou, em certos casos, fractura expontânea das vértebras.
Os anjos brancos fazem a esporra luminosa. Um chuto de neve é uma labareda fria de luz branca com faúlhas sexuais quentes. A queimadura azul, que se costuma misturar com yagé, é fria e quente ao mesmo tempo. Faz uma pessoa vir-se com um jacto azul de queimadura fria e um chuto azul é como cianita e ozono.
A luz negra põe uma pessoa negra como obsidiana e faz jorrar todas as palavras brancas do cérebro de tal maneira que se fica com todas as cenas sexuais que há, e um chuto negro põe em sincronia. O verdinho é algo entre animal e vegetal. Uma pessoa vem-se num jorro verde, os colhões ficam tensos de esporra e rebentam num chuto verde.
É possível misturar as cores - digamos vermelhos quentes com um chuto de neve, para obter campainhas de fogo cor-de-rosa, ressoando no céu enquanto se esporra um coro de anjos. Ora, o companheiro pode estar a fazer o mesmo ou pode estar a esporrar-se em crepúsculos de azul por águas-furtadas e silvos de combóios longínquos. Ou se toma quentes vermelhos e se suaviza com um chuto negro e ejacula púrpura-escuro. Uma velha glória tripla: vermelho fodendo azul, que fode branco, e o vermelho chuta azul, azul chuta branco e branco chuta vermelho.
É de experimentar o arco-íris especial - todas as cores numa - e esporrar cataratas Niágara, o pico Pikes, bilhetes postais, arco-íris e auroras bureais."

Fumem erva.

16 de outubro de 2008

quais traumas?

nos últimos oito dias ouvi, no média player, quinhentas e cinquenta e seis músicas, sendo o top 5 de artistas da semana:

1 - Bob Dylan and the Band - 50 músicas
2 - The Black Keys - 30 músicas
3 - The Velvet Underground - 23 músicas
4 - Kings of Leon - 21 músicas
5 - The White Stripes - 21 músicas

e o top 5 de faixas:

1 - Bob Dylan and The Band - Bessie Smith - 13 vezes
2 - The Black Keys - I Got Mine - 12 vezes
3 - The White Stripes - The Hardest Button to Button - 8 vezes
4 - Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich - Hold Tight - 5 vezes
5 - The Velvet Underground - Cool It Down - 5 vezes

tudo isto, informações extremamente úteis sempre disponíveis on-line, via lastfm, que fazem as delícias de todos aqueles que, como eu, sentem que o seu dia está estragado só porque se aperceberam a meio do caminho que se esqueceram do leitor de mp3 em casa.

apresentação.


aos que chegaram a ter na mão a revista cultural da faculdade de letras da cidade do porto: cá estamos, de volta, em novo formato, para retomar o que então começamos.


aos que não fazem ideia do que estou para aqui a falar: olá, muito prazer.

15 de outubro de 2008

"Cultural trauma occurs when members of a collectivity feel they have been subjected to a horrendous event that leaves indelible marks on their group consciousness, marking their memories forever and changing their future identity in fundamental and irrevocable ways".

The Meaning of Social Life; Jeffrey C. Alexander.