24 de novembro de 2008

notas para o diário



deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.



Al-Berto
Horto de Incêndio


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encarem estas palavras como um presente.
um daqueles que não se está à espera. talvez tardio, fora de ordem.
como alguém que faz anos e passados seis meses recebe algo
que a faz sorrir de forma plena.
al berto, tal como mais um par de coisas muito restritas, para mim,
faz parte daquele universo de coisas, pessoas, lugares que me faz
sentir tudo de forma... plena, lá está. o bom e o mau. o mau e o bom, misturados.
como aqueles dois momentos do dia em que o sol se confunde com a lua no horizonte.

o que é que isto tem haver com cultura? - perguntam vocês.

tudo. porque poesia se toma com um café, com um cigarro, com um abraço, com uma carta, um postal...
nunca fiz muito sentido, mas ao ser tão linear nisto fez-me encontrar o meu próprio sentido.
uma ordem dentro do caos.

o meu nome é Maria e sou o único elemento feminino por aqui (e por enquanto).



2 comentários:

telmo disse...

sou completamente pró-mulheres-neste-blog ( e isto é suposto ser lido com um tom pervertido ) e espero que não tarde até que sejas uma entre muitas - ( agora a sério )se bem que uma pessoa nunca seja somente uma entre muitas, e tu sabes isso.

mas adiante, sê bem-vinda. e vai gozando, enquanto é possível, o teu estado actual de exclusividade.

e quando deixar de existir, ao menos hás-de ter sido sempre a primeira. e isso, se não diz bastante, diz o suficiente.

olá maria.

Vanessa Lourenço disse...

E navego na melodia infiltrante da tua genialidade na ponta dos dedos, da língua, do crânio.***