27 de novembro de 2008

substituição


e se substiuíssemos os números nas equações por letras? juro que me apetecia traçar um
mapa numérico com uma equivalência gramatical. no fundo, números que correspondessem
a letras. não compliques. não vomites tudo o que a tua mente digere. esquece a espontaneidade.
às vezes há momentos em que mais vale que te cales para não te insultares a ti mesmo.
sim, isto vem desde o tempo da primária, mas quando nos habituaram a falar do Homem, a mulher - eu - também lá está. e não é nada redutor. é só estares bem como estás. nesta vida, nasceste mulher mas é completamente irrelevante (e não é tanto assim). foda-se. porque é que pensas demasiado? as luzes de natal trazem-me leves memórias do que é a inocência, a ingenuidade. quando volto a piscar os olhos e os abro vejo os sem-abrigo a invadirem os autocarros na esperança de travarem uma conversa, um diálogo, um monólogo. e rapidamente passam de sem-tecto para bêbedos e para doidos. doidos estamos nós que levamos os passos contados das escolas até casa; dos trabalhos até casa; das faculdades até casa; do nada fazer até casa e ignoramos os que se cruzam connosco pelo caminho. negamos-lhes atenção, disponibilidade, calor humano - mesmo que distante. estamos anestesiados. forte e brutalmente anestesiados.
e eu só penso em como está frio, em como nada me surpreende e surpreendo-me por ter chegado a este ponto. já não sinto (quase) nada. e tu?

xadrez III

- não devias viver as tuas relações como um jogo de xadrez.
- talvez estejas certa, mas se não jogassemos nunca chegaríamos ao cheque-mate.
- e, ao menos, ganhar faz de ti uma pessoa feliz?
- acho que te ia ajudar a compreender se pensasses nisso antes como uma mera forma de evitar a miséria que é sentirmo-nos derrotados.

xadrez II

Pontuação:

Morte - I
Cavaleiro Antonius Block - O

xadrez I

isto não era suposto ter-se desenrolado assim.
todos os ideais, ficaram-se pelas ideias.
dei por mim a perguntar, onde se reconhece humanidade, como se sente compaixão, como estabelecer coerência, só para dar comigo a responder que nada condiz com o que se encontra no dicionário.

ingmar teve um sonho no qual jogava xadrez com a morte e lhe perguntava sobre deus e o sentido da vida. ingmar perdeu, e a única coisa que descobriu foi que a morte não tinha respostas para lhe dar.

tudo à minha volta põe-me em cheque. não importa se monto uma barreira com os peões, se decido avançar com os cavalos, nada se altera se sacrifico a rainha. talvez seja impossível ganhar-se à morte - dou-te isso, como se por garantido - mas é possível que te tenha escapado que a vida não é um adversário menos escrupuloso.

perde-se o lar, o amor que existia na nossa vida, a nossa vocação, a coragem de escrever na primeira pessoa do singular, e tudo para se chegar à conclusão que já não sobram assim tantas peças, que talvez nunca tenhamos medido bem a extensão do tabuleiro, nem a nossa capacidade de o percorrer.

vou fumar um cigarro, e esperar tranquilamente pelo momento em que, despojado de qualquer possibilidade de fuga para trás ou para a frente, na ausência de alternativas minimamente aceitáveis, possa enfim declarar-me em cheque-mate.

26 de novembro de 2008

Inutilidades...


Será que podemos utilizar a inutilidade para algo útil? Apercebo-me agora que sou apenas um utensílio desta inutilidade inútil. Sempre que medito sobre esta inutilidade que pratico, atinjo a conclusão, sem muita especificidade e sem muito rigor, que tudo tem o seu propósito. Agora se aprofundo mais do que estas premissas vou entrar num argumento com uma conclusão inútil e depressiva. Qual é o meu objectivo no meio de toda esta teia de pensamentos e acontecimentos inóspitos na minha vida? Deixo a resposta ao critério do meu próprio fado, pois se há algo de inútil no meio de tudo isto, é perder o meu tempo a pensar nesta fútil inutilidade que vivo neste momento, quando aquilo que desejava desde o início era fazer com que a caneta com que esboçei este pequeno post, ( esboço este, elaborado em frente ao muro de Berlim, enquanto esperava que algo de extraordinário me inspirasse em tal histórico espaço físico ) fosse uma arma contra a estupidez que vejo habitar nas ruas da minha pátria, na minha faculdade, nos meus empregos em part-time, no meu Erasmus...enfim, em demasiados sítios, que me começam a enojar por o mundo estar a cultivar a ignorância, em vez de se cultivar cultura, educação, amizade, fraternidade e respeito pelo próximo.


24 de novembro de 2008

notas para o diário



deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.



Al-Berto
Horto de Incêndio


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encarem estas palavras como um presente.
um daqueles que não se está à espera. talvez tardio, fora de ordem.
como alguém que faz anos e passados seis meses recebe algo
que a faz sorrir de forma plena.
al berto, tal como mais um par de coisas muito restritas, para mim,
faz parte daquele universo de coisas, pessoas, lugares que me faz
sentir tudo de forma... plena, lá está. o bom e o mau. o mau e o bom, misturados.
como aqueles dois momentos do dia em que o sol se confunde com a lua no horizonte.

o que é que isto tem haver com cultura? - perguntam vocês.

tudo. porque poesia se toma com um café, com um cigarro, com um abraço, com uma carta, um postal...
nunca fiz muito sentido, mas ao ser tão linear nisto fez-me encontrar o meu próprio sentido.
uma ordem dentro do caos.

o meu nome é Maria e sou o único elemento feminino por aqui (e por enquanto).



22 de novembro de 2008

2h55

lucidez
s. f.,
qualidade do que é lúcido;
clareza;

perceptibilidade;

clareza de pensamento ou de raciocínio;

perspicácia.

[ no caso de duvidas é só clicar aqui ]

conclusão: que raio de noite. e isto só vai piorar.

21 de novembro de 2008

bronquite aguda.

então é assim:

durante os próximos dias não posso beber, fumar, sair do quarto.

tenho um anti-inflamatório para tomar após as refeições, acompanhado por um suplemento de vitamina c, um anti-biótico para tomar de doze em doze horas, e tenho que misturar quarenta gotas não-sei-bem-de-quê-mas-é-suposto-suavizar-esta-tosse-de-cão-quem-nem-quando-estou-a-dormir-passa com água ou chá, três vezes ao dia, mais um spray para pôr - isto vai soar estranho mas também não sei como explicar melhor - nos dois lados da boca.

o gajo que divide o quarto comigo vai uma semana para berlim ( supostamente porque aquilo é "giro" mas eu sei que foi a única desculpa credível que ele arranjou para evitar contágio ), ou seja, se a meio da noite me der o badagaio, ou a meio da tarde, ou da manhã, estou entregue aos bichos. e, sim, isto é para ser tomado literalmente, pois a partir de hoje sou só eu e a carolina - a pequena aranha que partilha o quarto connosco, mas sem participar nas despesas do mesmo.

nas últimas três noites vomitei quatro vezes, de tanto tossir, e parece-me escusado explicar melhor que dormir não tem passado de meia-dúzia de tentativas algo frustradas durante a noite.

mas o que me preocupa mesmo é que ainda não consegui arranjar um esquema de como vou conseguir suportar tudo isto - doença, ausência de seres-humanos, medicação a tempo e horas, impossibilidade de dormir durante um periodo de tempo minimamente aceitável - neste estado de absoluta lucidez. estas drogas - que eu tenha notado até agora - não têm nenhum efeito secundário que valha a pena registar e misturá-las com álcool só ia servir para cortar o já de si pequeno efeito que estão a ter em mim - sem qualquer tipo de vantagens alucinogénas.

por isso, para já vou mas é dedicar-me a vasculhar o quarto a ver se encontro algo para me entreter - não há-de ser difícil, no meio deste tédio contentava-me até com um pacote de bolachas ou um ió-ió. e pode ser que daqui a umas horas se acenda alguma luz no meio desta pasmaceira.

18 de novembro de 2008

noite sem mortalhas.

ultimamente tenho andado em constante estado flash-back. não se trata de déjà vu, nem de saudade, nem tão pouco de alzheimer - espero eu. mas há recordações que me saltam à consciência com tanta intensidade que mais parece que levei três mocadas de tal ordem na tola que não as consigo ignorar.

como hoje, devia ser umas oito horas da noite - isto é, sete para ti - eu estava a fazer o jantar, e enquanto fatiava o alho, o tomate e o limão, enquanto temperava os bocados de frango com o tinto e punha o estrugido do arroz a aquecer, lembrei-me da noite em que me perguntaste o porquê de me virar sempre de costas para ti para tirar o preservativo.

um gajo depois de acabar de se vir deseja tudo - e por "tudo" entenda-se, basicamente, paz, sossego e amor no mundo ego-centrado em que vivemos - excepto iniciar uma discussão antropológica sobre os nossos traumas sexuais... mas como nem sempre se pode ter o que se deseja, ou, talvez, simplesmente, por gostar de ti ao ponto de não conseguir negar-te uma resposta, lembro-me de o ter justificado como sendo a "minha condição masculina".

a teoria da c.m. resume-se da seguinte fora:
cada género está condicionado por vários factores, chamemo-lhes XX - nas mulheres - e XY - nos homens - para dar a isto uma pinta mais científica.
nos factores XX, incluí-se o comprimido que tens que tomar todas as noites, para evitar que telminhos comecem a saltitar por aí a torto e a direito, a semana mensal em que o teu humor fica mais sensível e a tua sensibilidade mais bem humorada, e pouco mais que valha a pena estar agora referir.
já o factor XY é singular: limita-se ao momento em que tiro o raio do preservativo. é o gesto mais deprimente e menos dignificante de que as minhas mãos são capazes - é a minha condição masculina.

por que é que me viro de costas? - perguntavas tu, há tanto tempo que já perdi a noção se devo dizer há meses ou anos - bem, possivelmente, pelo mesmo motivo que me pedes para sair de casa, ou, que tentas trancar-me no quarto, quando te dá vontade de ir à casa-de-banho. não há muito que eu não partilhasse contigo, apesar de haver demasiado que não posso partilhar - como o frango desta noite, temperado com tomate, azeitonas, alho, vinho tinto, azeite, sal, pimenta e um molho que se quiseres saber qual é vais ter que me pedir para fazer para ti - mas... depois de me vir, aí já não se trata de partilhar ou não, de ter ou não vergonha, de querer ou não satisfazer a tua curiosidade que é mais que natural, não. é científico. biológico, se preferires. freudiano, talvez. XY - nada que algum dia te possa verdadeiramente explicar pois a compreensão implicaria uma mudança de 50% dos teus cromossomas, mudança essa que nos iria irremediavelmente impedir de partilhar uma cama despidos e, consequentemente, de algum dia me fazeres essa pergunta.

enfim.
são seis da manhã aqui - cinco para ti - o meu companheiro de quarto está a fazer meia-noite ( sim, o tempo não é relativo só de país para país, consegue sê-lo também dentro de um espaço fechado ) e eu estou há meia-hora dedicado a este flash-back-escrito do flash-back que tive há dez horas atrás.

não é que não haja mais nada para fazer, que ainda há. mas foi a forma que encontrei para me distrair do facto de termos esgotado o stock - que há uns tempos tinha sido capaz de jurar que iria durar para sempre - de mortalhas que havia no quarto.

são seis da manhã aqui, e estou prestes a deslizar da cadeira para um sono profundo. a noite passou sem fumo, sem ansiedade, sem mais nada para lá destas palavras que enrolei aqui para que as fumes numa noite em que também te encontres sem mortalhas.

17 de novembro de 2008

faixas preferidas.

outro mimo LastFm - a possibilidade de acrescentar um coração às músicas do respectivo orgão vital.


Rino Gaetano - dois minutos na Wiki e cria-se uma empatia. songwriter virado para a intervenção social, morreu aos trinta a caminho do hospital, depois de ter sido rejeitado por outros cinco hospitais, após um acidente de automóvel, poucos dias antes da data em que se ia casar - em semelhança ao que aconteceu a uma personagem numa das suas canções. a carreira de apenas seis anos, que teve início já há mais de três décadas, marcou uma geração e não foi esquecida pelas que se lhe seguiram.

ocupando o segundo lugar desta semana, com fortes possibilidades de atingir o número um, com uma canção já listada nas faixas preferidas, Rino Gaetano e o restante top:

16 de novembro de 2008

Realidades Ontológicas????


Sou forçado a partilhar convosco a matéria anedótica que estou a estudar no país que não posso dizer qual é, de uma disciplina de um curso que não é o meu mas que também não posso dizer qual é, para não ferir susceptibilidades. Acabo de ler 50 páginas, onde se repete a mesma frase no percurso destas doentias e fracas páginas: " Bad things happen to good people". O que é isto? O pior é que alguém escreveu mesmo isto. Será que estes tipos querem mesmo entrar na União Europeia a ensinar este tipo de coisas? E depois só porque sim, escrevem ainda mais anedotas e falam de "Realidades Ontológicas" ? Enfim....


Aqui a ignorância cresce desmesuradamente.

15 de novembro de 2008

Puras Divagações....

Procuro por uma mortalha, um filtro e o tabaco em cima da minha mesa e encontro tudo menos o que quero. Encontro, comprimidos, lenços usados, livros, folhas com apontamentos miseráveis de aulas a que não precisava de ter ido, velas, web cam, tabuleiro de xadrez, embalagens de preservativos, chiclets, enfim, todo um pack de instrumentos que um estudante de filosofia necessita mas que neste momento é tudo aquilo que eu não preciso. Cá está, foi preciso vasculhar toda esta mesa dos meus tormentos para matar a minha traça por um cigarro que contém aquilo que quero: nicotina. Inspiro profundamente e dedico-me a elaborar uma obra de arte, um cigarro sem um único vinco, sem uma única deficiência. No meio desta concentração toda passeia se por aqui um ser humano do sexo feminino de lingerie que pouco me ajuda nesta minha epopeia de construir o cigarro perfeito. Termino a minha tarefa e denoto que o resultado não é o que eu queria mas está fumável. Acendo-o e olho para a vista que tenho da minha janela e vejo no bloco em frente dois personagens em plena vida selvagem estando em profunda penetração, colados como dois cães em época de cio. Passa por mim novamente, a mesma lingerie que me começa a perturbar o pensamento. O cigarro morre mas a minha vontade de fumar é neste momento ainda maior, talvez por ter ingerido uma garrafa de vinho tinto sozinho e por ter feito a descoberta do ano e ter encontrado finalmente um vinho em condições. Abro a janela e fumo outro cigarro. O acto animal que acontecia à mnha frente felizmente terminou sem muita admiração minha, pois com este frio não seria possível manter o acto durante muito tempo. Alto... lingerie em aproximação directa ( olho para o horizonte e finjo que estou sozinho ). Saio da janela e abro a porta do meu quarto e vejo centenas de zombies a vaguearem todos à procura de uma fêmea. Alguns parecem ter algumas hipóteses de sucesso e terão uns loucos 10 minutos de loucura e de ejaculação precoce no estado em que estão. Amanhã irão regozijar-se de algo que pensam ter acontecido mas que afinal não passou de uma tentativa frustrada de penetração. Bem... depois, de tanta divagação sem fundamento e sem uma lógica pré-determinada chego à conclusão que chegou a hora de fechar a minha porta do quarto. Lingerie nas proximidades, novamente. Pego no meu livro de Nietschze, abro-o e....


Aviso: qualquer semelhança com a realidade não passa de pura ficção cientifica.

7 de novembro de 2008

Uma quase asneira...


Após muita meditação para contribuir para este maravilhoso blogue, que é apenas ainda um recém nascido, mas do qual se guardam muitas expectativas dos seus inspirados e nobres "traumáticos culturais", apenas me ocorre a descrição da minha soberba idiotice. Denoto diariamente em mim uma crescente estupidez nas minhas disposições triviais. Vou então através deste notável testemunho demonstrar-vos quem sou eu ampliando uma moral bonita e idiota a esta história.
São 17:00 e recebo uma sms a pedir me para estar no centro da cidade às 18:00. Vou e volto a entrar no meu quarto quando vejo que me esqueci de levar o lixo, pois o cheiro deste é completamente nauseabundo e obviamente que não quero receber reclamações dos vizinhos a dizer que o meu quarto cheira mal. ( Poderia pensar-se que eu seria o culpado, mas divido o quarto com um animal das pistas ). Entretanto jovial com a minha vida de Erasmus pois não há responsabilidade nenhuma que me incuta stress no meu dia, bloqueio na porta do dormitório a fazer um cigarro, ( percebam que este cigarro checo que enrolo intitula-se de “Javanse Jongens”, e traduz-se por jovens japoneses ) acendo o cigarro e encosto-me a cogitar sobre como a minha vida deveria ser tão simples e como eu a consegui emaranhar num curto espaço de tempo ( mesmo curto, dois meses ). Mas como as complicações aqui são o que menos importa nesta camelice vou directo ao elementar. Dirijo-me ao caixote do lixo, coloco lá os meus sacos nauseabundos e coloco-me a caminho daquilo a que eles chamam de “tram”, ( ao que em português poderemos denominar de Eléctrico ) e quando me encontro dentro do tram surge a minha voz da consciência e ela pergunta-me: “seu deficiente, saíste de casa e não tens nas tuas mãos o dinheiro nem os documentos que vais necessitar”. Apesar de eu não estimar muito a minha voz da consciência desta vez tive que lhe dar a sua consideração. Logicamente volto para trás e quando entro no meu quarto, naturalmente depois de muito procurar a minha carteira cheguei a uma conclusão, e novamente tive de ouvir a minha voz da consciência: “és mesmo deficiente, nem me acredito que deitaste a tua carteira no caixote do lixo”. Corri para o caixote e com a ajuda de uma vassoura retirei-a de lá, ( sendo a meio surpreendido por uma estudante que ficou estupefacta a olhar para mim porque imaginava que eu estava a comer do lixo ) e por milagre resgatei a minha carteira que continha: 400 euros em dinheiro, o único cartão do banco que eu cá tenho e que sem ele não tenho dinheiro absolutamente nenhum, bilhete de Identidade que necessito para voltar para Portugal e o meu cartão de saúde. Resumindo, se a minha carteira não estivesse lá eu estava completamente fodido.

Moral da História: “Existem bons motivos para se separar bem o lixo”

3 de novembro de 2008

Cidades da Noite Vermelha


É que já não lia nada de Burroughs há uns anos largos, e reviver a violência doentia daquelas linhas faz-me fechar abruptamente o livro, com mais força do que desejaria a soneira do resto das pessoas que vão no metro da Trindade até à Casa da Música. Há tempo suficiente que não visualizava, pela manhã, um miúdo de oito anos a fazer um broche a um velho nos cinquenta para conseguir um chuto de heroína marada.
Mas no "Cidades da Noite Vermelha" nem tudo me fez lamentar ter perdido o estômago literário e a ousada noção de relatividade da adolescência. Qual foi o meu espanto, quando ainda sorvia as primeiras dezenas de páginas, ao não encontrar nelas a desordem de sintaxe, da sequência, e do sentido a que Burroughs me habituara, mas, por sua vez, uma melíflua conciliação de módulos ficcionais que divergem entre si para depois convergirem numa narrativa de quilate superior - uma realidade ficcional - que tem (remotas) hipóteses de ser considerada romance.
Agora vou acabar de ler a merda do livro. O gajo escreveu muito bem, como poucos, mas era obviamente passado dos cornos. Também, à droga que mamava, não era para muito menos. Retirando a cartola, cometo a gentileza de vos presentear com uma passagem do livro, poética, mas, foda-se. Que a tradução não seja grande coisa, não é culpa minha. Além do mais tem direitos protegidos e eu não posso alterar o texto, não vá o diabo tecê-las.

(Para contextualizar: o narrador refere-se a drogas: ou enforcamentos que, no enredo, funcionam como drogas.)

"Tem todos os vendedores de cordas [de enforcamento] a fazer esteiras... e está a enviar vermelhos quentes e anjos brancos e queimaduras azuis e luzes negras e verdinhos... tudo. Depois mistura-lhes cantáridas e vende-os nas casas de putas de Ba'dan.
- Não há dúvida que é um empresário.
-Está a fazer subir os preços, o grande filho da puta.
-Será melhor que arranjemos uma boa reserva.
Caminhamos pelos bazares, apreçando o nitrito de amilo e os afrodisíacos coloridos. O preço quase duplicou, mas sabemos que em Ba'dan o material adulterado é vinte vezes mais caro.
Os vermelhos quentes provocam manchas e pontos vermelhos, retorcem o cu vermelho, fazendo uma comichão de rebentar, e pode-se arrumar a questão de vez com um chuto vermelho. Aqui a coisa pode-se tornar perigosa, provocando hemorragias internas ou, em certos casos, fractura expontânea das vértebras.
Os anjos brancos fazem a esporra luminosa. Um chuto de neve é uma labareda fria de luz branca com faúlhas sexuais quentes. A queimadura azul, que se costuma misturar com yagé, é fria e quente ao mesmo tempo. Faz uma pessoa vir-se com um jacto azul de queimadura fria e um chuto azul é como cianita e ozono.
A luz negra põe uma pessoa negra como obsidiana e faz jorrar todas as palavras brancas do cérebro de tal maneira que se fica com todas as cenas sexuais que há, e um chuto negro põe em sincronia. O verdinho é algo entre animal e vegetal. Uma pessoa vem-se num jorro verde, os colhões ficam tensos de esporra e rebentam num chuto verde.
É possível misturar as cores - digamos vermelhos quentes com um chuto de neve, para obter campainhas de fogo cor-de-rosa, ressoando no céu enquanto se esporra um coro de anjos. Ora, o companheiro pode estar a fazer o mesmo ou pode estar a esporrar-se em crepúsculos de azul por águas-furtadas e silvos de combóios longínquos. Ou se toma quentes vermelhos e se suaviza com um chuto negro e ejacula púrpura-escuro. Uma velha glória tripla: vermelho fodendo azul, que fode branco, e o vermelho chuta azul, azul chuta branco e branco chuta vermelho.
É de experimentar o arco-íris especial - todas as cores numa - e esporrar cataratas Niágara, o pico Pikes, bilhetes postais, arco-íris e auroras bureais."

Fumem erva.