15 de abril de 2009

um texto de co - autoria (incompleto) "O velho que vivia os sonhos dos outros"

Era coronel, daqueles mesmo rijos, só comia sopa - comida da tropa - argumentava ele; e vivia cada dia como se fosse não o primeiro mas muito perto desse, é que, dizia o coronel, muitos seios havia já visto e muita obscenidade havia ouvido para que pudesse viver cada dia como uma catarse completa, um começar de novo limpo. Não obstante esta rectidão um tanto ou quanto obtusa, podia, e fazia-o muitas vezes, transportar-se através dos olhos daqueles que ainda têm a sorte de ver a bola como apenas uma bola e nada mais. Como ele gostava de viajar esse coronel, privava-se de sonhar durante a noite para que pudesse guardar espaço e energia para os sonhos que vivia através dos outros. A sua pusilanimidade impedia-o de viver esses sonhos um pouco mais de perto, de partilhar as histórias emprestadas com aqueles que o queriam ouvir. É que o velho apesar de rijo não deixava de ter cara de vôvô pateta, com o seu bigode farfalhudo e olhar enorme. O velho J., chamemos-lhe assim, vivia desta forma desde que a sua querida M. abraçou um outro mundo que não o dele, no dela não lhe permitiam ruborescer, respirar sequer, era um atentado. Era chuva, tirando o seu velho chapéu, tudo vinha à romaria pérfida com o melhor fato, pingados pela chuva - e ele a agradecia, chorar não cabia na sua dimensão, precisava daquelas frias lágrimas - as personagens deslizavam pela tabuleiro verde contornando os blocos cinzas, ensopados falavam quase num suplício para o Coronel:
- "Foi Deus que quis", "Foi para um sítio melhor" , "Era boa pessoa"
Velho J. não respondia, apenas fitava a sua, a sua mais que sua, enquanto se distraía com os risos perdidos dos pequenos, caçando e apanhando poças vivendo a inocência que é obrigatória ter, notória quando no lar da Morte o seu tapete é um escorrega.
Velho J o rude, havia quem dizia, sempre foi saudoso, e no presente o mais íntimo gesto o levava para bem longe do presente. A solidão, essa amiga inimiga potenciava todo as suas memórias, lembrou-se mais uma vez porque estava só, a data em que ficou só, ele queria ir chapinhar, queria rebolar no chão verde e saltar os tais blocos cinzentos.... Travou-se!
"M. perdoa-me senti felicidade na memória da tua despedida".

1 comentário:

André disse...

lindo! aguardo pela sequela :)