27 de novembro de 2008

xadrez I

isto não era suposto ter-se desenrolado assim.
todos os ideais, ficaram-se pelas ideias.
dei por mim a perguntar, onde se reconhece humanidade, como se sente compaixão, como estabelecer coerência, só para dar comigo a responder que nada condiz com o que se encontra no dicionário.

ingmar teve um sonho no qual jogava xadrez com a morte e lhe perguntava sobre deus e o sentido da vida. ingmar perdeu, e a única coisa que descobriu foi que a morte não tinha respostas para lhe dar.

tudo à minha volta põe-me em cheque. não importa se monto uma barreira com os peões, se decido avançar com os cavalos, nada se altera se sacrifico a rainha. talvez seja impossível ganhar-se à morte - dou-te isso, como se por garantido - mas é possível que te tenha escapado que a vida não é um adversário menos escrupuloso.

perde-se o lar, o amor que existia na nossa vida, a nossa vocação, a coragem de escrever na primeira pessoa do singular, e tudo para se chegar à conclusão que já não sobram assim tantas peças, que talvez nunca tenhamos medido bem a extensão do tabuleiro, nem a nossa capacidade de o percorrer.

vou fumar um cigarro, e esperar tranquilamente pelo momento em que, despojado de qualquer possibilidade de fuga para trás ou para a frente, na ausência de alternativas minimamente aceitáveis, possa enfim declarar-me em cheque-mate.

2 comentários:

André disse...

Finalmente uma entrada que comporta toda a dignidade e profundeza de um veículo de consciências intranquilas. Gostei mesmo.

É que agora também jogo xadrez. Até tenho um novo projecto de rock matemático chamado "Kasparov's Wrong Move". O que acaba por não te fazer grande diferença, por assim dizer. Só quero que saibas que quando jogo contra a morte, mesmo não podendo vencer, faço sempre a abertura à espanhola. E penso sempre em mim, e nos meus irmãos do intelecto, como peças num mundo de xadrez. Somos os cavalos: o nosso movimento é estranho, incerto e não temos a poesia simétrica das outras peças. Mas temos a preciosa singularidade de poder avançar por cima de qualquer outra peça, e guardamos sempre em nós o fresco milagre da surpresa. É sempre muito complicado prever o nosso próximo movimento.

Apetecia-me continuar o comentário, mas daqui a pouco fazia um post inteiro....

Maria disse...

Vou reduzir-me a comentários simples e, talvez, vazios.


Gosto.